LEI DE ACESSBILIDADE É DESRESPEITADA NA ILHA

Nem todo brasileiro tem assegurado o direito de ir e vir, previsto no Artigo 5 da Constituição Federal. O país tem cerca de 13,2 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência física, de acordo com o Censo 2010 do IBGE, e muitas delas enfrentam obstáculos ao saírem de suas casas. São calçadas malconservadas, pisos desnivelados, bueiros destampados e degraus que dificultam a passagem de quem usa cadeiras de rodas. A Lei de Acessibilidade, criada em 2004, exige que toda construção de uso coletivo ofereça facilidades a cadeirantes. Mas um passeio pela Ilha do Governador mostra que a regra não é seguida em vários pontos da região.

Era uma manhã de sol no verão de 1981 quando o então soldado da Aeronáutica Eraldo Cavalcanti, na época com 19 anos, bateu a cabeça num banco de areia ao mergulhar na Praia do Galeão com três amigos. Ele ficou tetraplégico e, hoje, faz um grande sacrifício para sair de casa.

Ladeiras e degraus se tornaram os principais obstáculos para Cavalcanti. Apesar de ser motorizada, sua cadeira de rodas não consegue percorrer vários trechos do Jardim Guanabara, bairro onde mora. A Praia da Bica, com um quilômetro de extensão, tem apenas três rampas de acesso à calçada, e no cruzamento com a Rua Ipiru, por onde ele passa, veículos passam em alta velocidade.

- Perdi a conta das vezes que arrisquei minha vida subindo o meio-fio. Recentemente, um ônibus passou a menos de um metro de mim. Ninguém respeita o cadeirante - diz Cavalcanti, que coordena um grupo de apoio a 35 pessoas com deficiência.

Reivindicar acessibilidade também nos ônibus é uma das principais bandeiras do grupo de Cavalcanti. De acordo com a prefeitura, o Rio tem 4.007 veículos adaptados, o que representa aproximadamente 60% da frota. Segundo o Decreto municipal 29.896, de 23 de setembro de 2008, toda ela precisa estar preparada para receber cadeirantes até o fim de 2013.

- Muitos ônibus não têm condições de transportar cadeirantes. Os poucos motoristas que param para nosso embarque estão despreparados, não sabem utilizar os equipamentos especiais. Já cansei de ensiná-los a mexer no elevador - denuncia a coordenadora da Associação Carioca de Portadores de Distrofia Muscular, Maria Clara Migowski.

Os cadeirantes que têm a oportunidade de usar carros também encontram problemas. O advogado José Carlos Borges leva todos os dias seu filho Bernardo, de 17 anos, que sofre de distrofia muscular, para a escola. O Colégio Modelar Cambaúba, no Jardim Guanabara, onde o jovem estuda, solicitou à CET-Rio a criação de uma vaga especial. Apesar de uma placa de trânsito garantir o espaço, é comum veículos sem o cartão de exclusividade pararem ali.

- É impressionante como as pessoas não respeitam - lamenta Borges.

O Caderno Ilha comprovou isso durante uma visita ao hipermercado Extra, na Portuguesa, que destinou oito vagas de estacionamento para deficientes físicos - 1% do total, como determina a lei. Cinco estavam ocupadas por carros sem a identificação necessária.

Há, ainda, locais que simplesmente ignoram a Lei de Acessibilidade. Aberto um mês atrás, o restaurante Contemporâneo, na Estrada do Galeão, na Portuguesa, tem um degrau na porta. O mesmo problema é visto na Confeitaria Faisão Dourado, na Rua Cambaúba, no Jardim Guanabara. A lanchonete McDonald's da Estrada do Galeão obriga o cadeirante a usar a entrada do drive-thru, mas a porta de acesso à loja é tão estreita que impede a passagem de algumas cadeiras de rodas. Na mesma via, uma agência da Caixa Econômica Federal tem escada na entrada e nenhuma rampa de acesso.

- Não entendo como esses estabelecimentos conseguem alvarás de funcionamento sem se adequarem às exigências da lei. Falta rigor da prefeitura - reclama Borges.

O Caderno Ilha procurou os estabelecimentos para comentar o assunto. A direção do Contemporâneo prometeu instalar duas rampas para portadores de deficiência na próxima semana. Já o McDonald's se comprometeu a fazer obras de adequação em 45 dias. A gerência da Faisão Dourado reconheceu o problema, mas não estabeleceu prazo para se adequar às normas de acessibilidade. Até o fechamento desta edição, a Caixa não se posicionou.

Questionada sobre a aplicação de multas para os estabelecimentos que descumprem a lei, a Secretaria municipal de Urbanismo não se manifestou.

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