Carinho ao próximo 11/03/2014
Memórias prazerosas podem ser retomadas no doente de alzheimer por
meio de novas experiências, estimulantes e divertidas para paciente e
cuidador.
Ser um cuidador em tempo integral para um familiar com a doença ou qualquer outro tipo de demência exige ajustes constantes.
Paul Divinigracia não se
considera um santo. Contudo, quem o vê cuidando da mulher, Virgie, que
sofre de Alzheimer há 11 anos, pode ter a impressão contrária. O casal
comemorou o aniversário de 50 anos de casamento em agosto passado. Aos
75 anos, Paul ainda chama a mulher, de 87, de "meu bem", e não há
dúvidas de que ele esteja sendo sincero, mesmo depois de responder a
mesma pergunta 10 vezes em poucos minutos.
A paciência, ele afirmou em uma entrevista, é a palavra de ordem para sua existência.
— Continuar de bom humor me ajuda a continuar equilibrado — afirmou.
Ninguém duvida que ser um cuidador em tempo integral para um familiar
com Alzheimer ou qualquer outro tipo de demência exija ajustes
constantes. Novos desafios surgem a todo o momento. O último enfrentado
por Paul é tentar convencer a esposa a tomar banho.
— Às vezes eu ofereço uma recompensa, como dizer a ela que vamos
almoçar ou jantar em um restaurante que não nos deixa entrar a menos que
estejamos cheirando bem — contou.
Paul poderia facilmente ser uma das pessoas retratadas nas 54
histórias do novo livro Support for Alzheimer's and Dementia Caregivers:
The Unsung Heroes (Apoio aos Cuidadores de Pacientes com Alzheimer e
Demência: Os Heróis Desconhecidos, em tradução livre), de Judith L.
London. A autora, que atua como psicóloga em San Jose, na Califórnia,
nos Estados Unidos, baseou cada uma das histórias em situações
enfrentadas por cuidadores que ela conheceu.
Os desafios incluem convencer os pacientes e outros parentes que a
doença realmente existe, que os lapsos não são apenas o resultado do
declínio gradual na memória que costuma acompanhar o envelhecimento e
que é preciso cuidar para que pessoas com algum tipo de demência não
saiam de casa despercebidas e se percam (fechaduras duplas nas portas
são uma maneira eficaz de impedir que isso ocorra).
Os benefícios do passado e de novas experiências
Judith se preocupa muito com o estresse enfrentado pelos cuidadores, e
ela tem bons motivos. De acordo com dados da Universidade de Stanford e
da Associação do Alzheimer, mais de 15 milhões de pessoas fornecem
cuidados gratuitos a parentes ou amigos com doença de Alzheimer e outras
formas de demência. Diversos estudos mostram que o estresse da tarefa
pode aumentar o risco de uma série de doenças e até mesmo de morte.
Paul ama viajar e descobriu que pequenas viagens estimulam sua mulher
de uma forma positiva. Em uma recente viagem de Fremont, na Califórnia,
onde eles vivem, até Seattle para um evento familiar, eles passaram
pelas belas montanhas do norte de São Francisco.
— Ela adorou a viagem e se lembrou dela, muito embora ela não consiga se lembrar do que eu disse há dois minutos — contou.
Para aumentar a qualidade do tempo que passam juntos nos anos que
ainda restam, ele planejou viagens com ela. Todavia, retornar, às vezes,
a uma velha atividade, também pode ser estimulante e divertido. Em uma
das histórias do livro de London, uma esposa que cuida do marido, que
possui uma forma grave de demência, fez ele recuperar sua velha paixão, o
golfe, ao dizer que ela queria jogar. Uma vez no clube, com o taco na
mão, ele lembrou, de repente, o que deveria fazer e mandou a bolinha
para longe.
— Uma vez que ele tenha começado, talvez ele se lembre de como fazer algo de que gostava há anos. Que delícia! — diz London.
Da mesma forma, existem maneiras de recuperar memórias prazerosas por
meio de novas experiências. London conta a história de uma mulher que
pegou um ramo de alecrim durante um passeio. O cheiro lembrou o marido
de como ele gostava de frango com alecrim e isso fez com que dissesse
sua primeira frase completa em meses.
Vítimas escondidas
Um dos desafios mais comuns e difíceis enfrentados pelos cuidadores
ocorre quando os pacientes com demência se tornam agitados, fisicamente
ou verbalmente agressivos, situações que são emocionalmente exaustivas e
muitas vezes perigosas para pacientes e cuidadores.
Laura N. Gitlin, professora da Faculdade de Enfermagem Johns Hopkins,
trabalha com uma equipe de terapeutas ocupacionais que procuram formas
de lidar com a situação sem recorrer ao uso de medicamentos. Eles
prescrevem atividades que os pacientes e os cuidadores podem fazer
juntos, de acordo com as capacidades, necessidades e interesses do
doente. O resultado é que ficam mais calmos, seguros e engajados, e os
cuidadores, menos estressados.
Ainda assim, há momentos em que até o cuidador mais astuto e esperto
não é capaz de superar um desafio, especialmente quando o paciente com
Alzheimer se torna violento.
Quando o marido de uma mulher parecia possuído por demônios, gritando
ofensas e a ameaçando com uma faca, escreveu Judith, ela finalmente
percebeu que não seria mais capaz de cuidar dele com segurança em casa.
Relutantemente, ela teve de colocá-lo em uma casa de repouso, para que
ambos ficassem seguros.
A partir de conversas com outras pessoas e da participação em grupos
de apoio bimestrais na Associação do Alzheimer, Divinigracia sabe que o
pior ainda está por vir. Ele continua a aprender formas eficazes de
lidar com os desafios que surgem e como deixá-los sob controle.
Ainda assim, afirmou Judith, "os cuidadores são muitas vezes os
efeitos colaterais, as vítimas escondidas da doença de Alzheimer.
Ninguém vê os sacrifícios que eles fazem".
É fundamental que os cuidadores também cuidem de si mesmos,
acrescentou, fazendo exercícios físicos, comendo e dormindo bem, e
recebendo o cuidado de que necessitam.