Uveíte: a doença pouco conhecida que pode provocar a perda da visão...

02/10/2019 

Frequentemente confundida com a conjuntivite, mal é causado por inflamação em uma camada dos olhos, que pode ter origem em infecções ou doenças autoimunes.
Uveíte é causada por inflamação nos olhos de origem infecciosa ou por doença autoimune.

Há cinco anos, o militar aposentado Valdir de Oliveira Filho, de 70 anos, foi picado pelo mosquito Aedes aegypti e contraiu chikungunya.

Mesmo fazendo tudo o que lhe foi indicado, algumas semanas depois de apresentar os primeiros sintomas da doença ele notou que sua visão estava ficando embaçada.

"Começou leve, mas piorou muito rápido. Procurei um oftalmologista achando que teria de usar óculos, e ele me encaminhou para um retinólogo", recorda.

Após uma série de exames veio o diagnóstico: uveíte causada pela chikungunya. "O médico me disse que eu já tinha perdido 90% da visão do olho direito. Naquela época eu não conseguia mais dirigir, ler e nem colocar café na xícara, derrubava tudo."

Com o tratamento, recuperou 40% da acuidade visual. "Mesmo com essa melhora, ainda tenho dificuldade para enxergar e, por isso, precisei mudar muitas coisas na minha vida, na minha rotina", lamenta o militar aposentado.

O que é uveíte?
Frequentemente confundida com conjuntivite, a uveíte é uma causa importante de cegueira (acuidade visual com melhor correção menor que 20/400 ou 0,05) e de baixa visão (acuidade visual com melhor correção entre 20/70 ou 0,3 e 20/200 ou 0,1) no mundo todo.

Ela se dá quando ocorre uma inflamação na úvea, camada vascular média dos olhos que inclui a íris (parte colorida dos olhos), o corpo ciliar (músculos que controlam os olhos) e a coroide (membrana que abastece a região com sangue). Também pode afetar o nervo óptico e a retina.

Valdir de Oliveira Filho perdeu parte considerável da visão depois de uma uveíte causada pela chikungunya 

Unilateral ou bilateral, atingindo apenas um ou os dois olhos, a doença é classificada como anterior (acomete apenas a íris), intermediária (acomete o corpo ciliar e o vítreo) e posterior (acomete o vítreo, a retina, coroide e a esclera) - as que atacam mais de uma porção uveal são chamadas de pan-uveítes.

Suas causas são várias, segundo Haroldo Vieira de Moraes Junior, presidente do Congresso Brasileiro de Oftalmologia 2019, evento promovido pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), e titular-chefe do departamento de Uveítes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro: idiopáticas (não identificáveis), infecciosas e não infecciosas.

No grupo das infecciosas entram as arboviroses (dengue, zika, chikungunya e febre amarela) e patologias como sífilis, tuberculose, aids e toxoplasmose. No das não infecciosas estão as doenças autoimunes, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla.

"Há uma gama enorme de doenças que podem repercutir nos olhos em forma de inflamação, e pouca gente sabe disso", afirma o médico.

No Brasil, as mais incidentes são toxoplasmose e sífilis. Porém, com a elevação das temperaturas e a proximidade do verão e das chuvas, a preocupação se volta para as arboviroses, já que essa época favorece a reprodução dos mosquitos causadores e, por consequência, o risco de infecção.

Sintomas da uveíte
Embora a doença tenha variações, seus sintomas são basicamente os mesmos: dor nos olhos, vermelhidão, fotofobia (sensibilidade à luz) e baixa de visão. Em alguns casos, há relatos de manchas escuras que flutuam no campo visual (moscas volantes).

Maria Auxiliadora Monteiro Frazão, coordenadora da Comissão de Ensino do CBO e chefe do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, pontua que, dependendo da localização da inflamação e da sua agressividade, tem-se um maior ou menor acometimento da acuidade visual.

"Independentemente disso, se o problema não for tratado adequadamente e a tempo, pode gerar dano irreversível à visão. A estimativa atual é de que entre 10% e 15% dos pacientes com uveíte fiquem cegos", relata a médica.

E mais: sem o cuidado correto, a patologia pode desencadear outros problemas nos olhos, como catarata, glaucoma e edemas de retina.

"Para evitar essas situações o importante é, a qualquer sinal de dor, embaçamento ou vermelhidão, procurar imediatamente um oftalmologista", aconselha.

Uveíte pode desencadear outros problemas nos olhos, como catarata, glaucoma e edemas de retina

Diagnóstico e tratamento
Para diagnosticar a enfermidade é necessário fazer um teste ocular completo, com medida da acuidade visual, avaliação dos reflexos pupilares, biomicroscopia de segmento anterior, tonometria e fundoscopia direta e indireta, combinado com exames complementares de sangue, para identificação do fator etiológico, e de imagem (tomografia computadorizada, angiografia fluoresceínica e ressonância magnética são algumas opções).

A conduta terapêutica varia de acordo com a causa e deve ser realizada em parceria com o especialista na doença base - por exemplo, se for tuberculose, é junto com o pneumologista; se for sífilis, com o infectologista e por aí vai. Ela inclui o uso de antibióticos, antivirais, antifúngicos, antiinflamatórios, analgésicos, corticoides ou imunosupressores.

"Temos de combater prioritariamente o agente que está provocando a inflamação", comenta Maria Auxiliadora.

Junto a isso, o uso de colírios específicos é obrigatório em qualquer situação. Algumas pessoas ainda podem precisar de aplicação de fármacos diretamente na visão.

"Recorremos a essa solução nos casos de contraindicação por via oral ou quando o tratamento não está funcionando como o esperado", complementa Moraes Filho.

E ele informa que a uveíte tem cura ou controle - mais uma vez, isso depende da causa -, mas alerta para a possibilidade de recaídas: "Em certas doenças base, como a toxoplasmose, é comum haver novas ocorrências".

O período de cuidados vai de meses a anos, podendo até se dar indefinidamente, como é o caso de Oliveira Filho, que, mesmo após cinco anos do diagnóstico, ainda consulta o oftalmologista a cada seis meses e usa um colírio diariamente.

"Tive comprometimento da úvea e também do nervo óptico. Sei que jamais voltarei a enxergar 100%, mas, hoje, aprendi a conviver com o problema. A vida segue e a gente se adapta, não tem outro jeito", finaliza o militar aposentado.

Gaúcho é o primeiro patrono cego de feira cultural no Brasil, diz organização nacional...

30/09/2019

Natural de Nova Petrópolis, André Werkhausen Boone lançou autobiografia em 2018.
Em Histórias de Baixa Visão, de 2017, André relatou as diferenças em ter pouca e nenhuma visão.

Aos 13 anos, André Werkhausen Boone começou a ter problemas de visão. Em um processo de perda e retorno desse sentido, o guri de Nova Petrópolis, na serra gaúcha, pouco aproveitou sua adolescência. Com precisão, ele relembra o dia em que parou de enxergar definitivamente por causa de uma doença autoimune. 

— Foi quando eu tinha 16 anos, em seis de março de 2009. 

Mais de 10 anos depois da reviravolta em sua vida, André foi surpreendido novamente. Dessa vez, com o convite da prefeitura da sua cidade natal para ser patrono da 24ª Feira do Livro que, nesta edição, tem o tema "Não há limites para quem lê". O evento será de 8 a 13 de outubro, das 8h às 21h, na Rua Coberta.

Com o reconhecimento, André passa a ser considerado o primeiro cego a ser patrono de uma feira cultural do Brasil, garante o vice-presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), Beto Pereira. 

— Pelas informações de que dispomos, ele é o pioneiro, o que para nós é motivo de alegria. Isso mostra a pessoa com deficiência como protagonista da cultura e da informação e também vai ao encontro da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.  

Coautor de obra chamada Histórias de Baixa Visão
O envolvimento de André com as letras vem de anos. Leitor de obras infantojuvenis, as quais diz não ter um autor preferido, e de revistas e jornais, o nova-petropolitano deu o pontapé inicial na jornada literária em 2010, aos 18 anos, participando de um concurso em Caxias do Sul. Embora não tenha recordações precisas sobre o conto, lembra apenas que se tratava da história de um cego.  

Depois de se formar em Administração, em 2015, o jovem ingressou em uma pós-graduação. Foi nessa época que adquiriu o hábito de relatar, no Facebook, suas aventuras diárias. Ele recorda que foi instigado a escrever mais, porém tinha dificuldades financeiras e faltava uma editora que aceitasse a obra. Com ajuda de pessoas da comunidade, o sonho deslanchou: uma professora de português que estava prestes a se aposentar se ofereceu para corrigir o material, outra pessoa ajudou a bolar a arte da capa e o marido de uma professora da pré-escola fez um empréstimo. 

Intitulada SER André Werkhausen Boone, porque "eu sou eu", conta rindo, a autobiografia é um apanhado da sua história desde a época em que tinha 13 anos, quando teve os primeiros sintomas da perda de visão. 

— Conto desde abril de 2006, quando tive os primeiros sinais da doença até a finalização. Falo do meu processo de reabilitação, como é o meu cotidiano, como foi a mudança do "eu enxergava e a agora não enxergo". Tem histórias bem-humoradas e também o momento mais tenso, quando tive tetraplegia. 

Antes de assinar sozinho um livro, também participou, em 2017, como coautor de uma obra chamada Histórias de Baixa Visão, na qual relatou as diferenças em ter pouca e nenhuma visão. Neste ano, além de ser patrono da Feira, André também vai lançar um audiolivro. 

— Fui pego de surpresa. Quando minha mãe leu a carta do convite não consegui segurar a emoção. É uma honra muito grande ser patrono na minha cidade natal. E a questão de ser o primeiro patrono cego do Brasil abre caminhos. Quero que outras pessoas tenham oportunidades e sigam desenvolvendo a inclusão — comenta sobre a escolha.

Diagnóstico tardio 

Por três anos, André conviveu com a constante perda e retorno da visão. O quadro preocupou quando ele perdeu, por quatro meses, os movimentos dos dois braços e pernas. Depois de voltar a caminhar, a cegueira se tornou "um detalhe", diz. Entre a perda total do sentido e o diagnóstico da doença se passaram cinco meses: somente em agosto de 2009 é que ficou sabendo que sofria de neuromielite óptica (NMO), doença autoimune na qual o organismo não reconhece os canais de água (aquaporina) que existem no cérebro, na medula espinhal e no nervo óptico. 

De acordo com o neurologista e neuro-oftalmologista Alessandro Finkelsztejn, coordenador do Ambulatório de Neuroimunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, há muito tempo esse problema era classificado como um tipo de esclerose múltipla. 

No entanto, há mais de uma década foi definida como doença própria, cuja prevalência é de cinco casos a cada 100 mil habitantes. 

— Os sintomas são a redução de visão uni ou bilateral, inflamação da medula, causando paraplegia ou tetraplegia. É um problema potencialmente grave, que precisa ter o surto reconhecido e tratado, bem como a indicação de um imunossupressor. 

Hoje, além de escrever, com ajuda de um software especial no computador, André também visita escolas para contar sua história.