Dia Mundial da luta contra a doença Quarta feira, 29 de Maio de 2013
Ataca sobretudo jovens adultos, no auge da
potencialidade produtiva. No dia mundial da luta contra a Esclerose Múltipla, damos voz a quem ousa lutar contra esta 'doença silenciosa'.
VEJA OS VÍDEOS VENCEDORES do 'Prêmio EM Curtas'
1º lugar - Ana Monstro, Francisco Miranda
2º lugar - EM 321 Acção, Andreia Campos, Ana Mansinho, André Ferreira
3º lugar - A Esclerose Múltipla e Eu, Guilherme
"Senti-me em queda livre, sentada na cadeira." Catarina Lima recorda
assim o momento em que soube que tinha Esclerose Múltipla (EM), em 2010.
A jovem, de 27 anos, faz parte do grupo de cinco mil portugueses que
ouviram o mesmo diagnóstico, e junta-se a mais de 2 milhões e meio de
portadores da doença, em todo o mundo. Autoimune, degenerativa e
incapacitante, não existe qualquer explicação que descodifique a origem
daquela que é também conhecida por "doença silenciosa".
"Uma doença duplamente cara", nas palavras do neurologista João de
Sá, dado que a patologia afeta sobretudo jovens adultos e requer
tratamentos à base de fármacos de elevados custos.
Além disso, pode
ocorrer um isolamento social, por autoexclusão dos círculos de amigos e
num segundo momento, uma desagregação familiar. "Há uma taxa de divórcio
muito significativa, neste universo", adianta o especialista. Também
existem limitações incapacitantes que não são tão óbvias para os outros,
como a fadiga extrema, muitas vezes desvalorizada por amigos e família.
Assim aconteceu com Luísa Matias, admitindo que o cansaço, próprio da
doença, é incompreendido porque é invisível aos outros, mas intensamente
vivido pela própria pessoa, "que passa por preguiçosa ou ter má
vontade."
Luísa, hoje com 35 anos, ouviu o diagnóstico em 2004, embora os
primeiros sintomas da EM tenham surgido muito antes, aos 14 anos: visão
enevoada e dor atrás do olho direito, cansaço inexplicável e falta de
força nas pernas. Sentia uma dor insuportável dos pés à cabeça e uma
dormência generalizada que a deixava sem conseguir mexer-se. Ao fim de
12 anos, aquela que é hoje assessora de imprensa da Sociedade Portuguesa
de Esclerose Múltipla (SPEM) procurou um neurologista e só então
descobriu que tinha a doença.
João de Sá explica que o atraso do diagnóstico deve-se ao facto de
os doentes desvalorizarem os sintomas iniciais, como os formigueiros e a
fadiga. A solução reside na consulta do médico certo, um neurologista
que analise, em concreto, as queixas do paciente.
Ao contrário de Catarina e Luísa, Diogo Tavares, 24 anos, já
desconfiava que sofria da doença, ainda antes de obter a confirmação. O
estudante de Design de Comunicação recebeu a má notícia em 2008, com 19
anos. Para o jovem do Porto, o pior momento foi ter de ouvir explicações
sobre pensões de invalidez aos 20 anos. Nessa fase, só queria que o
surto passasse para ir à atuação da sua tuna, dias depois.
Nos primeiros dois anos após o diagnóstico, Diogo teve cinco
surtos, com diferentes manifestações. Nos primeiros três, formigueiros
insistentes, dormência até aos joelhos, falta de sensibilidade nos pés e
falta de coordenação. No quarto e no quinto surto, ficou com visão
turva, nevrite ótica e falta de sensibilidade na mão direita, o que
gerou grande dificuldade em escrever, comer com talheres, pousar objetos
e desenhar. O jovem recuperou de todos os episódios, mas nota
alterações no equilíbrio.
Com o tempo, as agressões ao sistema nervoso central vão diminuindo
a capacidade de recuperação das fibras e nervos afetados. Nos primeiros
quatro anos, a remissão dos surtos é quase sempre total, mas com o
tempo, as sequelas tornam-se cada vez menos reparáveis.
A evolução da patologia passa de episódica para se tornar
progressiva, embora ainda não se saiba o que desencadeia essa alteração.
E as grandes incapacidades não são causadas pelos surtos, mas sim pela
fase progressiva, que é a mais difícil de travar. João de Sá acredita
que o controlo da inflamação (surtos) nos primeiros anos da doença pode
atrasar a mudança de padrão, mas realça casos de portadores que conhecem
meia dúzia de surtos, ao longo da vida, com remissões totais.
Para o médico, não há nada que prove que o desporto ou outras
atividades prejudiquem o doente: "Não sou paternalista na minha prática
médica. Se o indivíduo conseguir desempenhar a tarefa, tiver prazer, ou
se isso for fundamental para o seu quotidiano, não deve deixar de o
fazer. Se, pelo contrário, o doente estiver em esforço acrescido no
desempenho dessas ações, então deve parar."
Aplicar injeções a si própria todos os dias obrigou Catarina a
ultrapassar o pavor que sempre teve às agulhas mas, garante que não
houve alterações de fundo no dia-a-dia, depois do diagnóstico.
Continua a
trabalhar, a fazer desporto, a andar de mota e a viajar de mochila às
costas, nem que para isso tenha de levar consigo duas geleiras para
guardar as injeções. A jovem advogada diz que os médicos foram unânimes
ao aconselhá-la a manter a rotina: "Não quis limitar-me mais do que a
própria doença. Estou mais atenta aos queixumes do corpo, faço check-ups
às dormências de vez em quando, mas continuo a fazer a minha vida."
Além do mestrado em Direitos Humanos, que a levou a mudar de país,
Catarina escreve para o blogue "Esclerose Múltipla e Outras Coisas
Também", impulsionado pela SPEM e orientado para o universo da doença,
que acabou por se tornar numa experiência surpreendente. "Muita gente
'saiu do armário' e veio contar as suas histórias, peripécias, partilhar
perguntas e meias-respostas, confessar os mesmos medos e rir das mesmas
asneiras", realça.
Para Diogo a doença é um desafio. Mas sabe que será uma pessoa
melhor, não por ter EM, mas porque teve (e terá) de fazer ajustes para
ser feliz. "Para viver de forma equilibrada é preciso criar hábitos e
regras... Mas vale a pena", defende o jovem de 24 anos, que deixou de
fumar diariamente há cerca de 10 meses, começou a correr e já perdeu
mais de 10 kg.
Já Luísa teve mesmo de abandonar o basquetebol, após 16 anos de
prática. Hoje vai ao ginásio e, a conselho de um enfermeiro,
experimentou o ioga. A prática de atividades como a meditação e a
caminhada ajudam a lidar melhor com a ansiedade. "Gosto também de ler,
andar de bicicleta, sair com amigos e visitar a família", acrescenta.
Luísa até conseguiu participar nas corridas de São Silvestre de 2012, no
Porto e em Lisboa, assim como na corrida do Dia do Pai (em que Diogo
também participou), na invicta: "Foram 10 km de prova que me fizeram
sentir livre novamente." Mas não ficou por aqui: Em abril foi a pé,
desde Valença até Santiago de Compostela, percorrendo 120 km em apenas 5
dias. "O meu vício é continuar a andar e a viver."