08 de Setembro de 2021
O pedido foi julgado procedente.
Número do processo: 0702966-34.2021.8.07.0018
Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)
Assunto: Concessão (10252)
Requerente: M. C. S. P. D. S.
Requerido: INSTITUTO DE PREVIDENCIA DOS SERVIDORES DO DISTRITO FEDERAL - IPREV e outros
SENTENÇA
M. C. S. P. D. S. ajuizou ação de conhecimento em desfavor de DISTRITO FEDERAL e INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO DISTRITO FEDERAL – IPREV/DF, partes qualificadas nos autos, alegando, em síntese, que é portadora de esclerose múltipla há mais de 20 (vinte) anos e em decorrência da gravidade dessa patologia apresenta diversas doenças; que se encontra em avançado estágio de evolução e incapacidade; que sempre dependeu administrativa e financeiramente de seu genitor, Antônio José Francisco Pereira dos Santos, falecido em 07/09/2020; que se encontra desamparada em razão do óbito de seus genitores e da doença que lhe acomete; que solicitou administrativamente o pagamento de pensão temporária por morte, mas o requerimento foi indeferido sob o argumento de que não foi verificada a invalidez; que o pedido de reconsideração também foi negado; que faz jus à pensão por morte com base no artigo 30-A, II, ‘a’ da Lei Complementar nº 769/2008 e artigo 217, IV da Lei nº 8.112/1990; que a condição de invalidez e dependência econômica já era constatada desde quando seu genitor estava vivo.
Ao final requer a gratuidade de justiça, a concessão de tutela de urgência para determinar o pagamento da pensão por morte, a citação e a procedência do pedido para reconhecer o direito ao recebimento da pensão temporária por morte com o pagamento dos valores desde o requerimento administrativo em 13/11/2020.
A petição inicial veio acompanhada de documentos.
Foram deferidas a gratuidade de justiça e a tutela de urgência (ID 91277309).
O segundo réu, Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – IPREV, anexou documentos (ID 92500499), mas não apresentou contestação (ID 95759044).
O primeiro réu, Distrito Federal, apresentou contestação (ID 94551994) argumentando, resumidamente, que a autora não comprovou a condição de invalidez e dependência econômica; que a patologia da autora, por si só, não implica na constatação de invalidez, pois a doença se desenvolve de forma individual em cada caso concreto; que a obrigação de pagar pensão aos familiares ou pessoas vinculadas ao servidor, no caso de sua morte, somente ocorre nos casos previstos em lei.
Com a contestação vieram documentos.
A autora manifestou-se acerca da contestação e documentos (ID 97999127).
Concedida a oportunidade para especificação de provas (ID 98029039), apenas a autora se manifestou para informar não haver outras provas a produzir (ID 98506089).
É o relatório.
Decido.
Incide à hipótese vertente a regra do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, por isso que se promove o julgamento antecipado da lide.
Inicialmente analisa-se as questões de ordem processual.
Embora o segundo réu não tenha apresentado contestação, em se tratando de Fazenda Pública e, consequentemente da tutela de direitos indisponíveis, não há que se falar em aplicação do efeito da revelia previsto no artigo 344 do Código de Processo Civil, consoante dispõe o artigo 345, inciso II.
Além disso, o segundo réu apresentou documentos com informações sobre o requerimento administrativo e o cumprimento da liminar (IDs 92500496, 92500497, 92500498 e 92500499), portanto, serão analisadas as alegações ali apresentadas.
O primeiro réu requereu a dispensa da audiência de conciliação no âmbito dos Juizados Especiais alegando a impossibilidade de conciliar, contudo, não foi observado pelo réu que a presente ação não tramita no Juizado Especial e que a decisão de ID 91277309 já havia dispensado a referida audiência, portanto, nada a prover.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não tendo nenhuma questão de ordem processual pendente, passa-se ao exame do mérito.
Cuida-se de ação de conhecimento subordinada ao procedimento ordinário em que a autora pleiteia o recebimento de pensão por morte.
Para fundamentar o seu pleito a autora afirma que era dependente econômica do servidor falecido e faz jus ao benefício por ser inválida.
O réu, por seu turno, sustentou que não restou comprovada a condição de invalidez e a dependência econômica.
Considerando que o genitor da autora era servidor civil distrital aplica-se ao caso as normas da Lei Complementar nº 769/2008, que no artigo 30-A, II, ‘a’, dispõe:
Art. 30-A. São beneficiários da pensão:
II – temporária:
a) o filho ou o enteado até completar vinte e um anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
O pedido administrativo de pensão foi indeferido porque a junta médica concluiu que a autora não é inválida (ID 91238811 e 91238813), mas não há nenhuma explicação ou fundamentação que esclareça esse entendimento, o que impede saber o motivo pelo qual ela não foi considerada inválida e os dispositivos legais mencionados nos referidos laudos se referem ao procedimento da perícia apenas.
O laudo médico de ID 91238802 atesta que a autora é portadora de esclerose múltipla há mais de 20 (vinte) anos e em razão dessa enfermidade apresenta diversas sequelas e patologias “neurológicas, psiquiátrica e ortopédicas graves, irreversíveis, incapacitantes ao trabalho e a atividades físicas”, que agravaram o seu quadro de saúde e demandam tratamento contínuo.
O referido documento médico descreve o resumo clínico da autora e demonstra os diversos tratamentos aos quais ela se submeteu, inclusive cirúrgico, e ao final atesta que a paciente é incapacitada para trabalhar e prover renda, o que comprova satisfatoriamente que a autora é inválida, pois é incapaz de desenvolver atividade remunerada que lhe garanta o próprio sustento.
No mesmo sentido, o laudo médico de ID 91238801 também comprova o quadro clínico da autora e a sua gravidade.
Ademais, há presunção legal quanto a dependência econômica do filho inválido, estabelecida no artigo 12, IV e § 1º da Lei Complementar nº 769/2008, não tendo o réu se desincumbido do seu ônus probatório.
Assim, considerando que o óbito do servidor ocorreu em 07/09/2020 e que os documentos médicos atestam suficientemente que a patologia da autora é preexistente ao óbito, satisfeitos os requisitos legais para a concessão de pensão por morte, razão pela qual o pedido é procedente.
No que se refere à pretensão para recebimento da pensão desde a data do requerimento, não houve discordância do réu quanto ao termo inicial, e os documentos de IDs 92500499 e 92500497 demonstram que a concessão do benefício se deu a partir de 13/11/2020, como pretendido pela autora, e que houve o pagamento na folha do mês de maio/2021.
Todavia, a autora afirma que não houve o pagamento retroativo (ID 97999127) e o contracheque de maio/2021 (ID 92500498) não demonstra se a quantia descrita se refere a valores retroativos e não há nenhum documento que comprove o pagamento dos valores pleiteados, portanto, a quantia a qual a autora faz jus deverá ser apurada em liquidação de sentença por simples cálculos aritméticos.
No que tange aos encargos moratórios deve ser destacado que houve enorme divergência jurisprudencial com relação à condenação da Fazenda Pública, pois a questão sobre o índice de correção monetária a ser utilizado gerou intensa discussão jurídica, culminando com a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 11.960/2009, neste particular.
Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 4357/DF e 4425 o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com alteração implementada pela Lei nº 11.960/2009, em março de 2013, com relação à atualização monetária.
Porém, a despeito de ter declarado a inconstitucionalidade daqueles dispositivos, dentre inúmeros outros, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu quanto à modulação dos efeitos de sua decisão que o dispositivo legal deve ser aplicado até 25/03/2015 e, por conseguinte, a partir da referida data estabeleceu a substituição do índice de correção monetária pelo índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
Contudo, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o efeito desta decisão seria apenas para a fase posterior à expedição das requisições de pagamento, pois na fase antecedente prevalece a sistemática da lei declarada inconstitucional, sendo difícil compreender como um determinado índice de correção monetária seja inconstitucional para um período, mas não para outro.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal novamente mudou de posicionamento, já que em 20/9/2017 julgou o RE 870947 fixando as seguintes teses:
1. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
Assim, denota-se sem muita dificuldade que foi reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária.
Verifica-se da referida decisão que não ficou estabelecido qual o índice deveria ser utilizado, porém tem-se que deve ser o INPC, índice que melhor reflete a inflação e cuja aplicação foi, posteriormente, determinada pelo Superior Tribunal de Justiça, a incidir a partir do vencimento de cada parcela.
Quanto aos juros de mora foi reconhecida a constitucionalidade do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997 pela Suprema Corte nesse ponto e, seguindo o mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo (Tema 905) fixou os seguintes parâmetros para as condenações de natureza previdenciária: sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (STJ. REsp 1495146/MG. REsp 1495144/RS. REsp 1492221/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018, recurso repetitivo).
Ressaltando-se que os juros de mora incidirão a contar da citação, conforme o artigo 405 do Código Civil.
Diante do exposto, deve ser aplicado ao caso os juros de mora com base na remuneração oficial da caderneta de poupança, qual seja, 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento) ou, nos demais casos, 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, vigente na data de início do período de rendimento, nos termos do artigo 12 da Lei 8.177/1991, com redação atualizada pela Lei n º 12.703, de 2012.
Com relação à sucumbência incide a norma do § 3º, do artigo 85 do Código de Processo Civil, que estabelece os percentuais a serem fixados sobre o valor da condenação, mas como a sentença não é líquida a fixação será feita apenas por ocasião do cumprimento de sentença, conforme inciso II do § 4º do artigo 85 do referido diploma processual.
Considerando que os honorários advocatícios serão fixados em percentual sobre o valor da condenação não há incidência de encargos moratórios, posto que esses já estão incluídos no débito principal, pois do contrário poderia caracterizar uma dupla cobrança.
Deixo de condenar em custas processuais porque o réu é isento e não houve adiantamento de custas em razão da gratuidade de justiça.
Em face das considerações alinhadas JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para confirmar a decisão de ID 91277309 e determinar o estabelecimento do benefício de pensão por morte em favor da autora e condenar o réu ao pagamento dos valores a partir de 13 de novembro de 2020, cuja quantia deverá ser apurada em liquidação de sentença por simples cálculos aritméticos, com correção monetária pelo INPC a partir da data do vencimento de cada parcela e juros de mora com base na remuneração oficial da caderneta de poupança a contar da citação e, de consequência, julgo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Em respeito ao princípio da sucumbência condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios cujo percentual será estabelecido após a liquidação de sentença, conforme artigo 85, § 4º, II do mesmo diploma processual.
Sem custas em razão de isenção legal.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição.
Após o trânsito em julgado aguarde-se por 30 (trinta) dias a manifestação do interessado, no silêncio, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
BRASÍLIA-DF, Quinta-feira, 26 de Agosto de 2021.
MARA SILDA NUNES DE ALMEIDA
Juíza de Direito
FONTE:https://www.jornaljurid.com.br/sentencas-de-1o-grau/civil/juiza-mantem-pensao-a-filha-de-servidor-publico-com-doenca-incapacitante-2021-09-08