Retrospectiva 2021: a saúde mental no foco das atenções.

22/12/2021

Piora da pandemia causada pelo alastramento da Gama, que chegou ao pico em março, intensificou sentimentos como medo e solidão

Pandemia ampliou sentimentos de ansiedade, mas não levou à elevação generalizada nos diagnósticos de problemas mentais


Ainda no começo de 2021, quando a população já apresentava sinais de desgaste em razão dos meses de limitações provocadas pela pandemia surgida no ano anterior, uma nova onda de coronavírus impôs ainda mais pressão sobre o equilíbrio psicológico dos brasileiros. Depois de quase um ano de distanciamento e restrições de atividades, a disseminação da variante Gama — que seria seguida pela Delta e agora pela Ômicron — e o aprofundamento da crise econômica seguiram testando os nervos de qualquer um e exigem a adoção de cuidados com a saúde mental.


A piora da pandemia causada pelo alastramento da Gama, que chegou ao pico em março no Rio Grande do Sul, intensificou sentimentos como medo e solidão. Análises indicam, porém, que o impacto desse sofrimento adicional foi bastante variado entre diferentes perfis demográficos — os profissionais de saúde estiveram entre os mais afetados por distúrbios.


Psiquiatra, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro de um grupo de pesquisa que desenvolveu estudos sobre o impacto do vírus, Ives Cavalcante Passos afirma que o prolongamento da pandemia ampliou sentimentos de ansiedade entre a população, mas não chegou a ser detectada uma elevação generalizada nos diagnósticos de problemas mentais. 


— Pode aumentar o nível de ansiedade, mas não necessariamente desenvolver uma doença. Quem estava sob risco de perder o emprego, população de baixa renda, idosos e profissionais de saúde é que foi mais impactado — observa Passos. 


Um estudo publicado em abril na revista Lancet Psichyatry, com dados do ano anterior, mostrou que nos meses iniciais da pandemia não houve aumento em taxas de suicídio em um conjunto de 21 países pesquisados (incluído o Brasil) — embora o trabalho alerte que alguns efeitos do sofrimento provocado pelo coronavírus podem ser percebidos apenas em prazo mais longo. 


Até o momento, o cenário varia conforme as características da população analisada. Um trabalho assinado por Passos e outros pesquisadores aponta que um dos grupos mais afetados foi o de profissionais da saúde. Entre eles, o choque de testemunhar em primeira mão os efeitos do vírus duplicou os casos de pessoas que cogitaram tirar a própria vida. Outro trabalho, publicado nos EUA, indicou maior dano psicológico aos negros possivelmente por apresentarem, em média, piores condições socioeconômicas.


Pode aumentar o nível de ansiedade, mas não necessariamente desenvolver uma doença. Quem estava sob risco de perder o emprego, população de baixa renda, idosos e profissionais de saúde é que foi mais impactado


O texto também aponta caminhos para aliviar o fardo de conviver com o vírus. Embora o avanço da vacinação tenha reduzido em cerca de 95% a mortalidade entre o pico da pandemia e as últimas semanas no Rio Grande do Sul, e a tendência seja de retomada progressiva de uma vida mais próxima do normal em 2022, especialistas ressaltam que é improvável a erradicação da doença.


Por isso, seguirá sendo importante dar atenção especial à saúde mental. Uma das melhores formas de fazer isso é mantendo contato — mesmo que virtual — com outras pessoas.


— O nosso trabalho mostrou que não é o distanciamento físico que está associado ao aumento da ideação suicida, mas sim a solidão, que é a sensação subjetiva de estar sozinho — esclarece o psiquiatra.


Ives Passos lembra que até mesmo o processo de retomada da antiga rotina pode gerar algum nível de estresse e ansiedade. Para isso, também podem ser úteis recursos como a prática de alguma atividade física, meditação e organização da rotina com algum horário reservado exclusivamente para lazer. 


Algumas recomendações


Procure manter contato com outras pessoas, sempre respeitando as normas de segurança sanitária

Se não for possível ou seguro manter contato direto com outras pessoas, estabelecer relações por meios virtuais, como telefone, computador, redes sociais e aplicativos também tem efeito positivo sobre a saúde mental

Organize sua rotina prevendo algum tempo para atividades de lazer diariamente

Atividades como prática de esportes e meditação são úteis para reduzir os níveis de estresse e ansiedade

Tristeza e ansiedade moderada são diferentes de depressão, e podem ajudar a lidar com situações ruins que ocorreram ou que podem ocorrer. Mas, quando surgem sintomas mais intensos como falta de energia, insônia, dificuldade para se alimentar, que se prolongam por pelo menos duas semanas, é preciso buscar auxílio especializado

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