22/04/2015 Atualização:24/04/2015
Davi, de 8 anos, com a mãe, Elaine de Almeida, que armazenou em laboratório os dentes de leite dele: esperança de que sejam úteis em tratamento para regenerar a córnea
Estudos avaliam a eficácia das células-tronco do dente de leite para reverter doenças degenerativas. Mesmo sem resultados conclusivos, muitos pais têm optado por guardá-los em clínicas
O dentinho de leite que as mães colocam em pingentes e as crianças guardam embaixo dos travesseiros para as fadas ganhou função muito mais nobre: ser fonte de células-tronco. Um grupo de mais de 300 pesquisadores dentro e fora do Brasil está debruçado em estudos que revelam que a polpa do dente de leite tem grande quantidade de células mesenquimais, responsáveis pela formação dos tecidos ósseos, cartilaginosos, musculares e adiposos. Dessa forma, pode ter eficácia na reversão de mais de 350 doenças degenerativas como mal de Alzheimer e Parkinson, lúpus e até infarto, AVC, disfunção do miocárdio e restauração da córnea humana.
"O dente de leite é um material muito rico em célula-tronco para ser descartado e virar pingente", afirma o biotecnólogo Nelson Foresto Lizier, um dos grandes estudiosos do tema há uma década. Lizier é diretor científico do Centro de Criogenia Brasil, clínica com sede em São Paulo que coleta, processa e armazena células-tronco de diversas fontes. Esses bancos e os centros de coleta são regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A grande questão é que, embora as pesquisas tenham apontado que esse material pode ser útil no futuro para o tratamento de inúmeras doenças, ainda não há comprovação de que as células do dente de leite tenham mesmo tal potencial.
"As pesquisas ainda estão em desenvolvimento, mas os resultados já são suficientes para trazer enorme otimismo", diz a odontopediatra Ana Cristina Braga, uma das mais respeitadas da capital
Até agora, o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), por exemplo, não se manifestou sobre o tema. Mas isso não impede que um grupo de odontopediatras mineiros, coordenado pelos professores Júlio Carlos Noronha e Maria de Lourdes de Andrade Massara, reúnam-se em BH para estudar o assunto. "As pesquisas ainda estão sendo desenvolvidas e seus resultados em animal experimental já têm demonstrado imenso potencial de utilização, para um futuro muito próximo", afirma a odontopediatra Ana Cristina Braga, uma das integrantes do grupo. "É um avanço científico de extrema importância, que merece ser acompanhado muito de perto." Ela ressalta que a coleta não precisa acontecer logo que cair o primeiro dente. "São 20 dentes de leite. A perda faz parte do processo fisiológico natural", diz.
Em Minas, ainda não há laboratórios de armazenamento, mas os dentinhos extraídos de algumas crianças já começam a ser guardados, representando precaução a mais para o futuro. Essa coleta é feita por clínicas, que enviam os dentes para congelamento em laboratórios de outros estados. Para aproveitar a polpa, eles devem ser extraídos pelo dentista e transportados até 72 horas depois. "A coleta é feita quando o dente começa a amolecer, pouco antes de cair naturalmente", explica o cirurgião-dentista Marcos Gribel, da Odontologia Gribel, uma das que realizam esse trabalho na capital mineira.
Luiza Machado, de 11 anos, com os pais, Antônio e Raquel Machado: "Esperamos que ela nunca precise usar. Mas, diante da disponibilidade, decidimos fazer o investimento", diz Antônio
Na avaliação do dentista, o uso dessas células-tronco pode representar uma revolução na vida das pessoas. "As células podem melhorar a qualidade de vida de toda a família, já que o tratamento não fica restrito ao doador", diz Gribel. "Perdemos de 30 a 50 milhões de células por dia. Se for possível repor essas células, a pessoa terá, por exemplo, longevidade", explica o médico pediatra Carlos Alexandre Ayoub, diretor clínico da clínica paulista Criogenia Brasil.
"Perdemos milhões de células por dia. Se for possível repor, a pessoa terá longevidade", diz o médico pediatra Carlos Alexandre Ayoub
Na esperança de conseguir um tratamento para regenerar a córnea, o pequeno Davi Miranda Moreira de Almeida, de 8 anos, teve seus primeiros dentinhos enviados para um laboratório que faz armazenamento em São Paulo. "Aguardamos agora um profissional habilitado para usar a célula-tronco da polpa do dente", diz a mãe do menino, a empresária Elaine Cristina Moreira de Almeida. Davi nasceu prematuro, com 31 semanas e pesando apenas 1,15 kg. Foi logo diagnosticado com catarata congênita, que acontece por alterações na formação do cristalino e pode causar cegueira. Com 3 meses, Davi precisou ser operado para retirada de cristalino e hoje enxerga apenas com um dos olhos. "O outro tem visão encorpada", diz Elaine. O padrasto do menino, o corretor de imóveis Rinaldo Fiorini, tem duas filhas, Sophia, de 16 anos, e Isabella, de 18. "Pena que não tive tempo de guardar o dente de leite delas", diz.
Luiza Tavares Vieira Machado, de 11 anos, pôde guardar alguns dentinhos de lembrança. Mas os últimos foram enviados para São Paulo e congelados. "Fizemos por precaução e possibilidade de uso em tratamento futuro", afirma o pai, o engenheiro agrônomo Antônio Olinto Vieira Machado. As células-tronco são tratadas hoje pelos cientistas como "seguro de vida". É assim que pensam os pais de Luiza. "Esperamos que ela nunca precise usar. Mas, diante da disponibilidade, decidimos fazer o investimento", afirma Antônio Machado. Se tivesse tido tempo, diz, teria feito o mesmo com os dentinhos da outra filha, Natália, de 16 anos. Os últimos dentes de Luiza prometem ser o seguro de toda a família. Os primeiros foram guardados por ela dentro de uma caixinha e agora passaram a ser vistos com outro valor. E que valor!
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