19/04/2013
As irmãs Maria Vitória e Maria Clara Reginato Cunha apenas quatro dias após o nascimento da caçula, em 2012.
Embrião de Maria Clara foi
selecionado para não carregar genes doentes e ser compatível com a irmã,
Maria Vitória, que sofria de uma condição genética rara. Assim, seria
possível realizar um transplante de medula entre as duas.
Maria Vitória, de seis anos, sofria de talassemia major, uma doença
crônica e rara no sangue que pode levar à morte. Por causa disso, desde a
menina era submetida a transfusões sanguíneas a cada três semanas e
tomava uma medicação diária para reduzir a quantidade de ferro no
organismo. Depois de procurar mais de 30 médicos em busca de uma solução
para a doença da filha, os pais de Maria Vitória decidiram passar pela
fertilização in vitro para selecionar um embrião que pudesse ajudar na
cura dela. Em fevereiro de 2012, nasceu Maria Clara,
o primeiro bebê brasileiro a ser selecionado geneticamente em
laboratório para não carregar genes doentes e ser totalmente compatível
com a irmã. No último mês, a irmã mais velha recebeu o transplante de
medula óssea a partir de células-tronco de Maria Clara — e, segundo os
médicos envolvidos no caso, é possível considerar que Maria Vitória está
curada e, portanto, livre das transfusões de sangue.
A talessemia é uma doença genética hereditária. Para que uma pessoa
tenha o problema, precisa herdar os genes tanto do pai quanto da mãe. A
condição se caracteriza pela diminuição da síntese de hemoglobinas, que
são as responsáveis por carregar o oxigênio presente nos glóbulos
vermelhos. Uma vez que se trata da diminuição de hemoglobina, a
talessemia é um tipo de anemia. Ela pode ser menor, ou seja, uma doença
mais discreta com sintomas fracos ou até assintomática, ou major. Nesse
caso, o mais grave, há duas soluções para o paciente: transfusão de
sangue frequente por toda a vida ou transplante de medula, que faz com
que a pessoa com a doença não apresente mais o gene responsável pelo
problema e passe a sintetizar a hemoglobina normalmente. Foi o que
aconteceu com Matria Vitória.
O procedimento — Na prática, o procedimento funcionou assim: o tratamento de fertilização in vitro
feito pelos pais de Maria Vitória resultou em dez embriões, que tiveram
suas células analisadas. Desses, dois eram saudáveis e totalmente
compatíveis com a menina. Eles foram implantados no útero da mãe, Jênyce
Reginato da Cunha, mas apenas um sobreviveu. Foi aí que nasceu Maria
Clara.
No parto, os médicos colheram as células-tronco do cordão umbilical de
Maria Clara. Como a quantidade não era suficiente para o transplante,
foi necessário esperar que o bebê completasse um ano de idade para
coletar um número maior de células da medula ósseas. Maria Vitória foi
internada em março deste ano no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo,
para dar início ao condicionamento: recebeu altas doses de quimioterapia
para destruir as células da sua medula óssea e deixar o sistema
imunológico zerado. No dia 18 de março, Maria Clara foi submetida à
coleta das células da medula óssea. Em seguida, essas células foram
infundidas em Maria Vitória — primeiro as do sangue do cordão e, depois,
as da medula óssea da irmã.
Espera — Segundo o hematologista Vanderson Rocha,
responsável pelo transplante, durante os 15 primeiros dias a medula de
Maria Vitória continuava zerada. Essa foi a fase mais crítica, pois o
corpo não produzia nenhuma defesa e a menina ainda precisava receber
transfusões. Depois desse período, a medula óssea da criança voltou a
fabricar as células e, desde então, ela não precisou mais receber
transfusões de sangue. “Ela voltou a produzir células como uma pessoa
normal. Ela tem uma medula nova. O resultado é muito bom e podemos
considerar que a Maria Vitória está curada”, diz Rocha.
Segundo o médico, as chances de complicações pós-transplante existem,
mas são muito baixas.
“Acontece em menos de 5% dos casos. Ainda assim, o
transplante é a melhor opção. A Maria Vitória estava começando a ter
problemas no fígado por conta do ferro”, afirmou, acrescentando que há
cerca de cem casos de transplantes registrados na Europa para curar
talassemia, todos com sucesso.
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