30/09/2012
Pesquisadores identificam um marcador genético que determina o quanto
a pessoa ficará comprometida pelo distúrbio neurológico, a principal
inquietação de médicos e pacientes. A descoberta pode contribuir para o
desenvolvimento de terapias individualizadas.
A Esclerose Múltipla é uma doença inflamatória devastadora que afeta
principalmente a medula espinhal e o cérebro. A imprevisibilidade de
surtos e a permanente incapacidade médica de antecipar qual paciente
terá uma boa resposta ao medicamento indicado são as características
mais importantes da enfermidade. Cientistas das universidades de Yale e
Harvard e pesquisadores do Hospital
Brigham, em Boston, porém, acreditam
ter encontrado a “bola de cristal” que porá fim a essas duas
dificuldades e levará ao desenvolvimento de tratamentos mais
personalizados.
O artigo publicado na Science Translational Medicine desta semana
sugere que indivíduos acometidos com a Esclerose Múltipla podem ser
divididos em dois grupos com níveis distintos de atividade da doença.
Eles poderiam ser identificados por um exame relativamente simples, o
que ajudaria os médicos a diagnosticarem pacientes com maiores riscos de
surtos e aqueles que podem se beneficiar de um tratamento inicial mais
agressivo. Philip De Jager e sua equipe colheram amostras de sangue de
quase 700 indivíduos com esclerose múltipla. Em seguida, eles isolaram
células imunes específicas envolvidas na produção de proteínas e alvo
dos atuais tratamentos da enfermidade, os linfócitos T. Deles, foi
extraído material genético em que foi possível perceber uma espécie de
assinatura metabólica diferenciada.
“Imagine que temos um grupo de quatro gêmeos idênticos. Apesar de
terem o mesmo material genético, um deles tem câncer. Isso porque o
ambiente interage sobre o indivíduo de forma diferente, ligando,
desligando, atenuando ou exacerbando a produção de determinadas
proteínas”, explica o neurologista Hudson Mourão Mesquita. É justamente
essa expressão dos genes nos linfócitos T que os cientistas americanos
acreditam influenciar na manifestação da Esclerose Múltipla. “Esses
resultados motivam-nos a melhorar essas distinções com mais pesquisas
para que possamos alcançar nosso objetivo de identificar o melhor
tratamento para cada indivíduo com Esclerose Múltipla”, afirma De Jager,
autor sênior do estudo.
Para verificar essa atividade, o material genético dos linfócitos T
recolhido foi colocado em um meio que possibilitava uma produção normal
de proteínas. A partir daí, eles analisaram como acontecia o processo,
caracterizando o perfil metabólico das células. A observação clínica de
pacientes com Esclerose Múltipla já mostra que uma atividade maior, por
exemplo, leva a um maior número de inflamações e, consequentemente, a
uma doença mais agressiva.
Dessa forma, foram traçados dois perfis de pacientes. Os indivíduos
classificados como EMa se mostraram mais suscetíveis que os indivíduos
do grupo EMb a exibir evidências de atividade da doença no futuro, como
os surtos. Especificamente, a taxa de risco sugere que os pacientes EMb
possuem 40% menos chances de surtos que os EMa. Uma vez que um paciente
estiver enquadrado no grupo EMa é mais provável que ele vivencie surtos e
o neurologista possa considerar a indicação de um tratamento mais
forte.
Análise pelo histórico
Segundo a coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia, Doralina Guimarães Brum, a comunidade científica voltada para pesquisas em Esclerose Múltipla busca exatamente um biomarcador ou qualquer outro fator que possa ser mensurado para previamente apontar como será o desenvolvimento da doença no paciente. “Esse trabalho é mais uma busca nesse sentido. Eles utilizaram uma metodologia refinada para um aspecto muito interessante: não basta ver o genoma todo, mas também é preciso verificar a expressão daqueles genes. Que os genes influenciam, nós já sabemos há algum tempo e conhecemos pelo menos 70 deles no caso da Esclerose Múltipla. A expressão genética reflete o que vimos clinicamente”, analisa Brum. Ela lembra que a diferenciação entre pacientes com a doença mais agressiva já é feita em consultório.
Para tal, o histórico do paciente é recuperado. Primeiramente, é
avaliado o número de ocorrência de surtos. Aquele que sofre três surtos
por ano tem a atividade inflamatória mais agravada que o indivíduo com
apenas um surto a cada três anos. O número de novas lesões cerebrais,
investigadas por um exame de ressonância magnética, também é um fator
para mostrar a agressividade da doença. “O terceiro deles é a capacidade
funcional do paciente. Se depois de um ano ele passa a ter restrições
de atividade motora no momento de surto, por exemplo, sua situação é
mais grave”, avalia.
Ainda assim, o neurologista Hudson Mesquita reforça a importância de
estudos nesse sentido. Ele conta que a primeira pergunta feita por um
paciente que acaba de ser diagnosticado com a doença é exatamente como
será a progressão da lesão e quanto que poderá prejudicar suas
habilidades motoras e cognitivas. “Eu respondo que não sei e isso
angustia muito o médico e o paciente. Existem remédios e ressonâncias
periódicas, mas seria uma grande coisa conseguir detectar logo na
primeira consulta como será o futuro”, acredita.
Mesmo com as evidências encontradas, os pesquisadores se mantêm
cautelosos. “Nosso estudo é um passo importante para a medicina
personalizada em Esclerose Múltipla, mas ainda há muito trabalho a ser
feito para compreender em que circunstâncias e combinação com outras
informações a assinatura pode tornar-se útil em um ambiente clínico”,
pondera De Jager.
Ações determinadas
Todas as células do organismo têm a própria assinatura metabólica,
que é capaz de caracterizar o comportamento dos genes e determinar quais
produzem proteínas e em que quantidade. Estudos comprovam que, na Esclerose Múltipla, os linfócitos T penetram o cérebro e interpretam a
bainha de mielina dos neurônios como um corpo estranho, atacando-a como
se fosse um vírus invasor.
Cientistas testam remédio oral
O tratamento para Esclerose Múltipla consiste na redução da
ocorrência de surtos por meio de drogas denominadas agentes
modificadores, como o acetato de glatiramer e o interferão. Dois estudos
publicados na New England Journal of Medicine trazem resultados
animadores para a incorporação de um novo medicamento a esse arsenal, o
fumarato de dimetilo ou apenas BG-12, que tem sido usado por mais de 30
anos no tratamento da psoríase.
O primeiro estudo compara a ação do BG-12 ao placebo, e o segundo, ao
acetato de glatiramer. Os resultados mostraram que a nova medicação tem
uma eficácia comparável à terapia-padrão utilizada hoje, uma vez que as
duas drogas de primeira linha diminuem as taxas de surtos em cerca de
30%. No estudo que confrontou os remédios, os pacientes que receberam o
BG-12 em dois esquemas de dosagem diferentes tiveram o número de surtos
significativamente reduzidos, assim como a diminuição da atividade da
doença.
Além disso, a BG-12 é administrada via oral. O último fator é um
grande diferencial, já que o acetato de glatiramer e o interferão
necessitam de aplicação por injeção. Isso leva muitos pacientes a
lidarem com a administração subcutânea diária, com os cuidados para a
refrigeração da droga, com as reações cutâneas, entre outros
desconfortos.
Fonte: Correio Braziliense
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