Dor sem fim 02/08/2013
Doença pode ser contraída pela picada de um minúsculo carrapato de veado.
Sintomas da síndrome, que deixa milhares de pessoas debilitadas, aumentam com o passar do tempo e intrigam especialistas.
A forma crônica da doença de Lyme é um termo genérico altamente
polêmico para uma série de sintomas duradouros que podem ou não advir de
uma infecção anterior pela bactéria provocadora da enfermidade em sua
versão aguda. Muitas vezes mal diagnosticada e tratada erroneamente, a
doença de Lyme crônica deixa milhares de pessoas debilitadas física e
mentalmente e sem recursos médicos comprovados.
Mary Rasenberger, 51 anos, advogada nova-iorquina, vivencia "uma
série de enfermidades há dez anos". Por fim, ela ouviu o diagnóstico de
doença de Lyme crônica, no verão passado do Hemisfério Norte, após ter
ouvido que sofria de Esclerose Múltipla.
Os sintomas antigos envolviam "juntas doloridas, dores de cabeça e
fadiga indescritível" que a deixavam indisposta e incapaz de se
exercitar. Nos últimos anos, surgiram dois sintomas adicionais:
neuropatia nos braços, pernas e no rosto, além de problemas de visão.
Durante entrevista, ela contou "acordar se sentindo mal todo dia"; caso
sua temperatura se elevasse, era como se fosse gripe.
Ainda assim, o exame para borreliose, como a enfermidade também é
conhecida, deu negativo.
Desesperada, ela finalmente consultou um
"especialista" em Lyme, um dos vários médicos que tratam pacientes com
sintomas como o dela com antibióticos durante longo tempo, apesar do
fato de que tal procedimento não tenha demonstrado benefícios
significativos ou duradouros em estudos clínicos controlados. Tais
exames envolveram pacientes escolhidos ao acaso que ingeriam o
antibiótico Rocephin (geralmente administrado por via intravenosa) ou um
placebo, sendo que nem os pacientes nem os profissionais avaliando os
sintomas soubessem quem recebeu o quê.
Mesmo assim, depois de vários meses tomando antibióticos,
Rasenberger, a exemplo de diversos outros pacientes, contou se sentir
"completamente saudável pela primeira vez em anos". Sempre que tenta
parar a medicação, os sintomas debilitantes regressam.
Relatos como os dela estão longe de ser incomuns. Os especialistas
agora sabem que algumas pessoas infectadas por borreliose terminam
desenvolvendo sua forma crônica mesmo que a infecção inicial tenha sido
diagnosticada prontamente e tratada a contento. De dez a 15 por cento
das pessoas tratadas pela doença de Lyme documentada medicamente
desenvolveram sintomas persistentes ou recorrentes de fadiga, dor
musculoesquelética e queixas cognitivas.
A condição é conhecida como síndrome da doença de Lyme pós-tratamento (PTLDS, na sigla em inglês).
— Trata-se de um distúrbio real, embora ninguém realmente saiba o que
esteja acontecendo — disse o Dr. John N. Aucott, infectologista de
Lutherville, Maryland, durante entrevista.
— Muitos pacientes ouviram que não estão doentes de verdade, apenas
cansados ou deprimidos. Porém, não se trata de fadiga normal e não é
causada pela depressão - embora a depressão possa certamente provir pela
qualidade de vida seriamente reduzida do paciente — ele acrescentou.
A terapia com antibióticos para a PTLDS é baseada em relatos
contestados segundo os quais tais pacientes podem abrigar reservatórios
escondidos da espiroqueta causadora da doença de Lyme, "Borrelia
burgdorferi", muito tempo depois do tratamento inicial. Porém,
pesquisadores que estudaram a terapia encontraram pouco ou nenhum
benefício e, para muitos, o tratamento é cheio de perigos que poderiam
ser piores do que a doença.
Entre os riscos estão o desenvolvimento de uma infecção resistente a
antibióticos, diarreia intratável, lesões renais ou no fígado e, como
ocorreu com uma mulher de 30 anos tratada com antibiótico injetado por
cateter, morte por infecção generalizada (septicemia).
Pessoas com PTLDS não são hipocondríacos procurando atenção nem
preguiçosos querendo fugir do trabalho ou das obrigações, disse Aucott,
embora muitos possam ser ajudados pela psicoterapia que os ajuda a lidar
melhor com os sintomas.
— São pessoas altamente funcionais – gente encostada não pega doença
de Lyme. Elas não são loucas e os médicos que as atendem não são maus.
Trata-se de pessoas desesperadas tentando melhorar e de médicos que
desejam auxiliá-las — ele afirmou.
Contudo, até que se descubram as causas da PTLDS, será difícil para
os pesquisadores descobrirem terapias eficazes. Entre as possíveis
causas da síndrome estão a fadiga pós-infecção prolongada e uma reação
autoimune ao organismo infectado, de acordo com um livro recente da Dra.
Adriana Marques, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas
dos EUA.
Já o motivo pelo qual algumas pessoas com PTLDS parecem se beneficiar
com a terapia intensiva com antibióticos, pelo menos temporariamente,
Aucott sugeriu algumas teorias. Os antibióticos podem ter efeito
anti-inflamatório que alivia a dor e o inchaço. Outra possibilidade é de
os pacientes terem uma infecção de baixo nível persistente que seja
suprimida de forma temporária pelos antibióticos, mas não morta por
eles. Ou pode ser que os pacientes com PTLDS experimentem um efeito
placebo, melhorando porque acreditam que o tratamento vai ajudar e
porque alguém finalmente está levando seus sintomas a sério.
Um complicador do cenário é o fato de que algumas pessoas com os
sintomas da PTLDS aparentemente nunca tiveram a doença de Lyme, afirmou
Marques durante entrevista. Existem outros organismos infecciosos – o
vírus Epstein-Barr, por exemplo – que podem produzir sintomas similares e
serem os verdadeiros culpados.
Entretanto, os peritos também não podem excluir a espiroqueta da borreliose.
Muitas pessoas, se não a maioria, infectadas por ele nunca souberam
ter sido mordidas pelo minúsculo carrapato de veado que transmite a
bactéria dos animais às pessoas. Talvez elas nunca desenvolvam nem
percebam a erupção vermelha que pode surgir. Mesmo quando a erupção
ocorre, somente uma em cinco se apresenta como o característico olho de
boi ligado à doença de Lyme. Em sua maioria, elas são bastante
vermelhas, redondas ou ovais.
Tais pessoas podem nunca ser tratadas contra a infecção nos estágios
iniciais e terminar semanas, meses e até mesmo anos mais tarde com os
sintomas que assolaram Rasenberger. Os sintomas podem se instalar
gradualmente, como foi o caso do meu cachorro, que apresentava efeitos
mínimos de carregar um carrapato da borreliose até nove meses atrás,
quando se prostrou, incapaz de comer ou beber sozinho.
Aucott e Marques afirmaram que mais pesquisa é desesperadamente necessária para as pessoas receberem o auxílio necessário.
— É uma doença enorme que vai se tornar ainda maior, entretanto,
recebe somente uma minúscula fração do orçamento dos Institutos
Nacionais de Saúde — disse Aucott.
Dadas as incertezas quanto à enfermidade no formato crônico, a
prevenção é mais importante do que nunca. Evite andar pelo mato e capim
alto. Quando for caminhar em florestas, acampar, fazer jardinagem ou
aparar a grama, use roupas compridas de cor clara e enfie as pernas das
calças em meias apertadas. Borrife a pele exposta com repelente de
inseto com 20 por cento de DEET e as roupas com permetrina. Tire as
roupas antes de entrar em casa; elas devem ser lavadas e secadas em
separado.
Tome banho assim que entrar em casa usando bucha ou pano e examine o
corpo cuidadosamente, principalmente nas dobras da pele, em busca de
carrapatos presos. Eles devem ser removidos cuidadosamente com uma pinça
sem esmagá-los puxando-os de forma suave e constante perto da boca. A
seguir, aplique um antisséptico no local.
Nenhum comentário:
Postar um comentário