Dia Mundial da Miastenia: Gravidez em mães Miastênicas precisa de atenção.

02 JUN 2021

A doença atinge o período mais fértil das mulheres e pode dificultar os cuidados com o bebê

Daniela Caetano Oliveira tinha 24 anos quando caiu na rua pela primeira vez. As crises de fraqueza e a visão dupla vieram a seguir. Foram cinco anos até o diagnóstico de Miastenia Gravis. A doença neuromuscular interrompe a comunicação natural entre os nervos e músculos, resultando em fraqueza extrema e falta de movimentos. 

O dia 2 de junho é o Dia Mundial da Miastenia.

Daniela e a filha, Manuella 

Ela atinge principalmente mulheres entre 20 e 40 anos, fase propícia para gravidez. Especialistas afirmam que a gestação é possível para estas mulheres, e seus bebês tendem a nascer saudáveis, no entanto, é preciso uma série de cuidados antes e depois do parto.


“Eu passei por dezenas de médicos, tratei como labirintite por quatro vezes, fui no oftalmo, no ginecologista, fiz vários exames e quem descobriu o que eu tinha foi o reumatologista, mas só cinco anos depois do início das crises, quando a doença já tinha atingido 70% do meu corpo. Eu estava sem enxergar direito, não conseguia respirar, cheguei a tirar o timo (glândula do sistema linfático) e fazia tratamento com imunoglobulina. Estava proibida de engravidar”, conta Daniela.

“Só que três meses depois, eu engravidei. Quase fiquei louca quando descobri, larguei todos os meus remédios e tive crises horríveis. Fui parar no hospital de novo e só estava de 5 semanas", lembra.


Gravidez

A maioria das mulheres com o problema podem engravidar, mas é aconselhável que seja planejado a partir do terceiro ano da doença. “É quando a atividade da Miastenia está mais estável e controlada. O curso da doença deve ser bem monitorado durante toda a gestação, com atenção aos medicamentos de uso regular para não prejudicar o feto”, explica o neurologista Eduardo Estephan, diretor-científico da Abrami (Associação Brasileira de Miastenia).


O momento que pede maior atenção é o parto; o normal é recomendado apenas para mulheres com a doença compensada e os trabalhos de parto prolongados devem ser evitados. “A principal força exigida da mãe no parto normal é a da contração uterina, que não é afetada pela Miastenia, e fadigas musculares leves não costumam atrapalhar o parto. Já a cesária é mais indicada para mães que apresentam quadros mais intensos de Miastenia Gravis ou crise miastência durante a gestação”, diz o médico.


Para Daniela, o remédio foi ajustado e a gestação de Manuella foi ótima. Porém, quando completou 37 semanas, a mãe precisou ser internada e, mesmo com a recomendação de seu médico para cesária, o parto foi induzido por seis horas. “Quase me mataram. Miastênica não pode fazer força. Quando o neuro chegou, minha filha já estava sem oxigênio e eu sem conseguir respirar. Fui intubada antes do parto e ela logo depois. Tive hemorragia, eles quase me perderam.”

Mãe tinha dificuldade para segurar a bebê 


Depois de uma semana no hospital, mãe e filha foram liberadas. Daniela não pode amamentar por ter que voltar a tomar doses altas do remédio. Também não tinha força muscular nem para segurar a bebê, precisava de ajuda para tudo. “Eu não conseguia fazer nada, entrei em pânico, parecia que não ia melhorar nunca”, diz ela. O médico reforça que crises podem acontecer no puerpério, quando o bebê exige mais da mãe.


Daniela começou um tratamento de quimioterapia, há 10 meses, está sem cabelos, e toma 20 comprimidos por dia. Mas diz que se sente melhor. “Prefiro não ter cabelo e poder cuidar da minha filha. Agora não vivo mais no hospital e consigo respirar bem.”


A filha, Manuella, tem 3 anos agora. Ela cresceu saudável e sem a doença. O acometimento em crianças pode acontecer, mas é ainda mais raro. O problema, entretanto, não é transmitido pela mãe, mas é autoimune, provocado pelo próprio organismo.


Estudos com gestantes


Um estudo publicado no Neurology - jornal cientifico da American Academy of Neurology – realizado com gestantes durante 33 anos na Noruega mostrou que mulheres com este problema tiveram o dobro da taxa de partos por cesariana (17,3%) em comparação ao grupo de controle (8,6%). A ruptura da bolsa ocorreu três vezes mais (5,5%) em miastênicas do que na população em geral (1,7%). A causa da ruptura das membranas, no entanto, não está bem estabelecida, podendo ser secundária ao uso de corticosteroide ou relacionada a algum processo infeccioso.


Segundo a pesquisa, 27 das 127 crianças nascidas de mulheres miastênicas apresentaram complicações neonatais e 5 apresentaram defeitos congênitos graves, número considerado não significativo quando comparado a todos os nascimentos. As mortes neonatais não aumentaram de forma expressiva nem houve taxa maior de prematuridade.


Cerca de 15% dos bebês nascidos de mães miastênicas podem desenvolver a doença pela troca de anticorpos. No estudo, ela foi identificada em apenas 4% das crianças. É a chamada Miastenia Neonatal Transitória que, como o nome diz, logo passará.


“Dura algumas semanas e na maioria das vezes é leve e não precisa de tratamento nem traz sequelas. Quanto à amamentação, não há contraindicações por motivo da doença. Os médicos, porém, precisam avaliar se algum dos medicamentos administrados pode passar para o leite e fazer mal ao bebê”, esclarece Estephan.


Outro estudo, conduzido por médicos da Universidade de Brasília e do Hospital Universitário de Brasília, mostrou que a gravidez pode atuar de forma imprevisível sobre o curso da Miastenia Gravis. Na análise de 322 gestações, em 225 mulheres miastênicas, foi observada exacerbação da doença em 41%, remissão em 29% e nenhuma alteração em 30% dos casos.


"Diante desse cenário, as mulheres com Miastenia Gravis não devem ser desencorajadas a dar à luz, apenas devem se planejar para engravidar e ter um acompanhamento médico criterioso, principalmente, com acesso rápido em caso de complicações", aponta Eduardo Estephan.

Manuella é uma criança saudável 


A Miastenia


A Miastenia pode ser diagnosticada em três formas:

 Miastenia Gravis, Síndrome Miastênica Congênita (ou Misatenia Congênita) e Síndrome de Lambert-Eaton.


Considerada rara, por ser diagnosticada em 65 pessoas a cada 100 mil, principalmente mulheres em idade fértil, ela atinge entre 15 e 20 mil mulheres no Brasil, segundo a ABM.


A doença é de difícil diagnóstico pois se manifesta de formas diferentes. A mais conhecida delas é a Gravis, doença autoimune que aparece quando o sistema imunológico ataca a junção dos nervos com os músculos.


“Os sintomas são facilmente confundidos com outras patologias, como esclerose múltipla e ELA (esclerose lateral amiotrófica)”, destaca o neurologista. 

Entre eles estão: fraqueza nos músculos dos braços e das pernas, fadiga extrema, pálpebras caídas, visão dupla, dificuldade para falar, mastigar e engolir. “Esse quadro pode levar à suspeita de Miastenia, principalmente se os sintomas flutuarem, hora tá melhor, hora está pior.”


Congênita


Já a Miastenia Congênita é hereditária e, embora mais rara, causa os mesmos sintomas: fadiga extrema e fraqueza muscular. Ela pode se manifestar apenas na adolescência ou na fase adulta. O defeito genético pode aparecer em diferentes junções do corpo e é sua correta identificação que garantirá o tratamento adequado.


“Alguns estudos identificaram sintomas mais comuns desse tipo de Miastenia, como a redução de movimentos do feto, ainda no útero, ou do bebê após o nascimento, além de choro fraco, dificuldade para sugar e engolir durante a amamentação, além de dificuldades respiratórias”, aponta o neurologista.


A criança também pode demorar a engatinhar e sentar, e caminhar com lentidão, tendo dificuldade para o esforço físico. Além disso, podem haver: infecções respiratórias frequentes, pálpebra caída, visão dupla, dificuldade de mastigação, pouca expressão facial, apneia (interrupção temporária na respiração) e escoliose (curvatura da coluna vertebral).


Síndrome


A Síndrome de Lambert-Eaton é a mais rara das três e pode estar associada a um câncer, principalmente o de pulmão. Mais comum em homens, também é autoimune e causada pelo ataque ao neurotransmissor acetilcolina.


Em qualquer um dos casos, é preciso procurar um neurologista para avaliação clínica. Exames, como eletroneuromiografia e de anticorpos, auxiliam o diagnóstico.


O tratamento se divide em três. Primeiro se aliviam os sintomas. No Brasil, só existe um medicamento, piridostigmina, que é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Depois trata-se a função imunológica, com corticoide ou imunossupressores. A retirada do Timo também pode ser indicada, pela diminuição de corticoide, mas pode demorar até dois anos para fazer efeito.


FONTE:https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2021/06/dia-mundial-da-miastenia-gravidez-em-maes-miastenicas-precisa-de-atencao.html

Nenhum comentário: