12 de Julho de 2014
No momento em que cresce no Brasil a tendência pela legalização do
consumo da maconha, o médico Dráuzio Varella lembrou que já tem quase 30
anos que a medicina conhece o papel da canabis na modulação da dor, no
controle dos movimentos, na formação e arquivamento de memórias e até na
resposta imunológica de pacientes; "Com tal espectro de ações em
patologias tão diversas, só gente muito despreparada pode ignorar o
interesse medicinal da maconha. Qual a justificativa para impedir que
comprimidos de THC e de seus derivados cheguem aos que poderiam se
beneficiar deles?", questiona
247 - O médico cancerologista Dráuzio Varella
destacou em artigo neste sábado, 12, o potencial do uso medicinal da
maconha. No momento em que cresce no Brasil a discussão pela legalização
do consumo da erva, o médico lembrou que já tem quase 30 anos que a
medicina conhece o papel dos canabinoides no sistema nervoso central e o
papel importante que eles desempenham na modulação da dor, no controle
dos movimentos, na formação e arquivamento de memórias e até na resposta
imunológica de pacientes.
Dráuzio destacou a aplicação da maconha já é feita em vários países
para o tratamento de diversas doenças, como glaucoma, náuseas provocadas
pelo câncer, anorexia e caquexia associada à Aids, dores crônicas,
inflamações, ESCLEROSE MÚLTIPLA e epilepsia.
"Com tal espectro de ações em patologias tão diversas, só gente muito
despreparada pode ignorar o interesse medicinal da maconha. Qual a
justificativa para impedir que comprimidos de THC e de seus derivados
cheguem aos que poderiam se beneficiar deles?", questiona o médico.
Dráuzio Varella, entretanto, acredita que a liberação da maconha
seria encarada pelos brasileiros como finalidade recreativa, e não
medicinal. "Acho que a maconha deve ser legalizada, sim, mas por razões
que discutiremos em nossa próxima coluna", finaliza o médico.
Leia na íntegra o artigo de Dráuzio Varella, publicado no jornal Folha de S. Paulo.
"Efeitos benéficos da maconha
Qual a justificativa para impedir que comprimidos de THC cheguem aos que poderiam se beneficiar?
Não são poucos os benefícios potenciais da maconha. Na última coluna
falamos sobre os efeitos adversos, apresentados numa revisão
recém-publicada no "The New England Journal of Medicine".
Explicamos que os estudos nessa área padecem de problemas
metodológicos. Geralmente envolvem usuários que consomem quantidades
maiores, por muitos anos, acondicionadas em baseados com concentrações
variáveis de tetrahidrocanabinol (THC), o componente ativo.
Como consequência, ficam sem respostas claras as consequências
indesejáveis no caso dos usuários ocasionais, a grande massa de
consumidores.
Em compensação, o uso medicinal do THC e dos demais canabinoides dele derivados está fartamente documentado.
A descoberta de que os canabinoides se ligavam aos receptores CB
existentes na membrana celular dos neurônios aconteceu em 1988. Dois
anos mais tarde, esses receptores foram clonados e mapeadas suas
localizações no cérebro. Em 1992, foi identificada a anandamida,
substância existente no sistema nervoso central, relacionada com os
receptores, mas distinta deles.
A partir de então, diversos trabalhos revelaram que os canabinoides
naturais ou sintéticos desempenham papel importante na modulação da dor,
controle dos movimentos, formação e arquivamento de memórias e até na
resposta imunológica.
Pesquisas com animais de laboratório demonstraram que o cérebro
desenvolve tolerância aos canabinoides e que eles podem causar
dependência, embora esse potencial seja menor do que o da heroína,
nicotina, cocaína, álcool e de benzodiazepínicos, como o diazepan.
Hoje sabemos que o uso de maconha tem ação benéfica nos seguintes casos:
1) Glaucoma: doença causada pelo aumento da pressão intraocular, pode
ser combatida com os efeitos transitórios do THC na redução da pressão
interna do olho. Existem, no entanto, medicamentos bem mais eficazes.
2) Náuseas: o tratamento das náuseas provocadas pela quimioterapia do
câncer foi uma das primeiras aplicações clínicas do THC. Hoje, a
oncologia dispõe de antieméticos mais potentes.
3) Anorexia e caquexia associada à Aids: a melhora do apetite e o
ganho de peso em doentes com Aids avançada foram descritos há mais de 20
anos, antes mesmo de surgirem os antivirais modernos.
4) Dores crônicas: a maconha é usada há séculos com essa finalidade.
Os canabinoides exercem o efeito antiálgico ao agir em receptores
existentes no cérebro e em outros tecidos. O dronabinol, comercializado
em diversos países para uso oral, reduz a sensibilidade à dor, com menos
efeitos colaterais do que o THC fumado.
5) Inflamações: o THC e o canabidiol são dotados de efeito
anti-inflamatório que os torna candidatos a tratar enfermidades como a
artrite reumatoide e as doenças inflamatórias do trato gastrointestinal
(retocolite ulcerativa, doença de Crohn, entre outras).
6) ESCLEROSE MÚLTIPLA: o THC combate as dores neuropáticas, a
espasticidade e os distúrbios de sono causados pela doença. O Nabiximol,
canabinoide comercializado com essa indicação na Inglaterra, Canadá e
outros países com o nome de Sativex, não está disponível para os
pacientes brasileiros.
4) Epilepsia: estudo recente mostrou que 11% dos pacientes ficaram
livres das crises convulsivas com o uso de maconha com teores altos de
canabidiol; em 42% o número de crises diminuiu 80%; e em 32% dos casos a
redução variou de 25 a 60%. Canabinoides sintéticos de uso oral estão
liberados em países europeus.
Com tal espectro de ações em patologias tão diversas, só gente muito
despreparada pode ignorar o interesse medicinal da maconha. Qual a
justificativa para impedir que comprimidos de THC e de seus derivados
cheguem aos que poderiam se beneficiar deles? Está certo jogar pessoas
doentes nas mãos dos traficantes?
No entanto, o argumento de que o uso de maconha deve ser liberado em
virtude dos efeitos benéficos que acabamos de enumerar, é insustentável:
a imensa maioria dos usuários não o faz com finalidade terapêutica, mas
recreativa.
Como diz o povo: uma coisa é uma coisa...
Acho que a maconha deve ser legalizada, sim, mas por razões que discutiremos em nossa próxima coluna."
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