Cabeças explosivas 23/06/2012
Sofrendo enxaqueca desde os nove anos, Leila chegou a pesar 37 quilos no auge de uma crise, há poucos anos.
Dores atingem um lado da cabeça, com duração entre quatro e 72 horas.
Enquanto os familiares de Leila Pedroso, 50 anos, pulavam carnaval na praia, ela estava presa em casa. Durante um mês, ficou no escuro, sem som, quase sem comida. A privação de liberdade estava na cabeça dela. Ou melhor, era a cabeça dela. A enxaqueca chegava em crises "que pareciam que o cérebro ia explodir", e duravam de uma a quatro horas. E voltavam. Nisso, qualquer rastro de luminosidade ou ruído davam a impressão de aumentar as dores latejantes. Se fechava no quarto e lá vinham as náuseas. Nem água descia. Foi parar no hospital, pesando 37kg.
O caso de Leila ilustra uma enfermidade que acomete mais de 15% da população brasileira, segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCE). O que corresponde a 30 milhões de pessoas, calcula o presidente da SBCE, Marcelo Ciciarelli. De acordo com ele, para ser considerado enxaqueca, é preciso que a pessoa apresente pelo menos cinco vezes na vida uma dor de cabeça em um lado da cabeça, de duração entre quatro e 72 horas. Normalmente outros sintomas aparecem, como enjoo, piora com esforço físico e intolerância à luz e ao barulho.
O erro mais comum dos afligidos é a automedicação, que pode fazer com que a doença se torne crônica. Leila tentou tapear a dor com analgésico. Eram três por dia no mínimo e a conta na farmácia não baixava dos R$ 300. Os ápices de sofrimento, que a deixavam imobilizada no quarto, passaram de mensais para diárias. E de duração de minutos para dias. Depois da última internação — foram três — marcou consulta com um novo neurologista. Fernando Kowacs, com doutorado sobre enxaqueca, receitou outros medicamentos e o uso de botox como tratamento. Funcionou. A substância botulínica, aplicada em pontos específicos da cabeça e do corpo, combinada com remédios preventivos controlaram as crises.
— Para ter uma vida normal, até injeção na testa, literalmente — brinca agora Leila, depois de sofrer desde os nove anos.
Porém, para alguns especialistas, o tratamento com toxina botulínica "tem efeito risível". A neurotoxina aplicada em 39 pontos da cabeça e do pescoço teria "evidências limitadas de benefícios", segundo artigo publicado na revista especializada britânica Drug and Therapeutics Bulletin. Segundo o texto, entre 1% e 10% dos voluntários que receberam as injeções de Botox descreveram efeitos colaterais dolorosos ou desconfortáveis, incluindo espasmos musculares, coceiras e urticária.
Tratamento personalizado
O tratamento da enxaqueca vai depender da história clínica do paciente, da frequência, intensidade e duração das crises. Entretanto, o alívio para a dor pode ocorrer de duas maneiras: tratando a crise propriamente dita com medicamentos da família dos triptanos, em forma de tabletes (para serem colocados embaixo da língua, que agem depois de cinco minutos) ou utilizando o tratamento preventivo, à base de medicamentos que evitam que a crise se instale de vez. Os medicamentos preventivos podem ser antidepressivos, anticonvulsionantes, anti-hipertensivos e para combater labirintite, entre outros.
— Essas medicações são recomendadas em doses menores das utilizadas para tratar das doenças — explica a neurologista Célia Roesler.
A toxina botulínica (Botox, fabricado pela Allergan) recebeu a aprovação do FDA para tratamento da enxaqueca crônica em outubro de 2010 e tem sido uma das formas mais eficientes para tratar a enxaqueca crônica. O alívio, segundo estudos, ocorre no prazo de quatro a seis meses, mas há pacientes que notam uma melhora imediata.
Esperança no tratamento
Cientistas se esforçam cada vez mais para tentar desvendar as causas da enxaqueca. Na pesquisa mais recente, da Universidade de Oxford, descobriu-se que essas dores estão diretamente relacionadas a um defeito genético. Segundo os médicos, o gene TRESK é o principal responsável por desenvolver a doença em 20% das mulheres e em 10% dos homens.
De acordo com o estudo, o centro de dor sensível do cérebro é ativado mais facilmente quando há uma falha no funcionamento do TRESK, o que resulta em dores de cabeça severa.
— Pesquisas anteriores já apontavam que algumas partes do DNA poderiam aumentar os riscos desse tipo específico. Nós descobrimos que a enxaqueca, provavelmente, depende de quão sensíveis são nossos nervos na região que comanda a dor no cérebro — afirma Zameel Cader, médico e membro da equipe responsável pelo estudo.
Esta descoberta pode ser uma luz no fim do túnel para o desenvolvimento de novos medicamentos.
Tratamentos alternativos
Solange Takeda, 48 anos, está buscando uma vida mais natural. Largou remédios convencionais e está tentando equilibrar o organismo apenas com homeopatia e acupuntura. De dois anos para cá, a enxaqueca começou a ficar mais forte e para curá-la investiu ainda mais nas agulhas. A técnica chinesa, segundo o fisiterapeuta e acupunturista Felippe Guariglia, serve para harmonizar o corpo, como uma forma de prevenção de doenças. Ele mesmo reconhece que para o tratamento efetivo de enxaqueca, o método deve ser associado a medicamentos convencionais.
Essa também é a visão do neurologista Fernando Kowacs, com doutorado sobre enxaqueca. Ele explica que já foi provado por estudos que a acupuntura, se feita no mínimo três vezes por semana, associada a medicação prescrita pelo médico, pode melhorar as dores de cabeça. Outros tratamentos alternativos também tem resposta positiva, se coordenados em conjunto com remédios neurológicos, como biofeedback (técnica de relaxamento) e uso de medicamentos fisioterápicos feitos de algumas plantas em específico. Outros tipos, no entanto, ainda não tiveram a eficácia comprovada no combate à enxaqueca, como homeopatia e quiropraxia.
Vilões ou mocinhos?
A principal causa da enxaqueca é genética e hereditária. Isso não significa que se o seu pai tiver, você necessariamente vai ter a doença ou vice-versa, porque às vezes a enfermidade se manifesta e outras vezes não. Mas existem alguns fatores que podem desencadeá-la ou contê-la. Veja a seguir:
VILÕES
:: Dormir de menos ou de mais
:: Jejum prolongado
:: Queijos amarelos fortes
:: Bebidas alcoólicas, em especial o vinho tinto
:: Mudanças climáticas
:: Exposição prolongada ao sol
:: Alimentos embutidos
:: Frutas cítricas como laranja e limão
:: Nozes
:: Chocolate
:: Abuso de analgésicos
:: Período pré-menstrual e pós-menstrual
:: Estresse
MOCINHOS
:: Atividade física
:: Dieta balanceada
:: Sono regular
:: Doses altas de vitamina B2 e coenzima Q10
:: Acupuntura (mínimo três vezes por semana como tratamento conjunto com medicamentos)
:: Biofeedback (técnica de relaxamento, comprovada eficácia se combinada com tratamento tradicional)
Muita calma nesta hora...
Esta lista não é para sair cortando hábitos e alimentos, nem sair correndo em busca do próximo horário de acupuntura. Os vilões são fatores de desencadeamento de crises de enxaqueca e os mocinhos são dicas de prevenção da doença, porém ambos podem variar de pessoa para pessoa. Talvez o chocolate lhe deixe até mais feliz, enquanto no seu vizinho dá aquela dor de cabeça. O conselho, portanto, é prestar atenção no seu corpo e seguir a indicação dos comerciais "se os sintomas persistirem, procure um médico". No caso, um neurologista.*
*Fontes do "Vilões ou mocinhos": Fernando Kowacs, neurologista com doutorado sobre enxaqueca, Luiz Carlos Porcello Marrone, neurologista do Hospital São Lucas e Marcelo Ciciarelli, presidente da Sociedade Brasileira de Cefaleia.
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