ESPERANÇA PARA QUEM TEM SÍNDROME DE MARFAN

01 de março de 2014  

ESTUDO CHEGA À DROGA QUE PODE AJUDAR QUE APRESENTAM DOENÇA RARA QUE PODE LEVAR A ROMPIMENTO DA AORTA.







Na década de 1980, quando o médico Hal Dietz chegou à Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos, ele ficou obcecado por ajudar as crianças com síndrome de Marfan, uma doença rara e, muitas vezes, fatal, que pode fazer com que a aorta o grande vaso sanguíneo que conduz o sangue a partir do coração, se dilate até se romper.

– Nada do que estávamos desenvolvendo parecia fazer diferença na vida delas – disse.

Essas crianças tão sofridas tinham uma aparência distinta que claramente era de uma base genética. Elas eram geralmente muito altas e magras, com longos braços, pernas e dedos. Muitas vezes apresentavam articulações excepcionalmente flexíveis, pés chatos e dentes que pareciam lotar a boca.

– Decidi estudar genética com o único objetivo de identificar o gene que causava a síndrome de Marfan e compreender o mecanismo relacionado a ela – contou Dietz, que agora é diretor do Centro William S. Smilow de Pesquisa sobre a Síndrome de Marfan na Universidade Johns Hopkins.

A jornada levou a descobertas surpreendentes sobre as causas do problema e a um ensaio clínico prestes a ser publicado, sobre uma droga que pode ajudar os portadores da doença.

O trabalho de Dietz também inspirou uma pesquisa que pode proporcionar a criação de um exame de sangue para detectar a dilatação da aorta, possivelmente salvando milhares de vidas, mesmo de pessoas que não têm a síndrome de Marfan.

u Médicos esperam que teste acelere diagnóstico

Todo ano, 10 mil americanos morrem de ruptura de aorta. O ator John Ritter e o diplomata Richard C. Holbrooke foram duas das vítimas do problema. A esperança é de que o teste possibilite que os médicos operem os pacientes antes de a aorta se romper, ou de que possam rapidamente identificar uma aorta que se rompeu, de modo que a cirurgia seja realizada prontamente.

O tempo é fundamental. Todos os pacientes cuja aorta está prestes a se romper “precisam de tratamento imediato”, disse Scott A. Lemaire, professor de cirurgia e de fisiologia molecular e biofísica na Escola Baylor de Medicina, em Houston:

– Quanto mais tempo demorar o diagnóstico, maior a chance de a aorta se romper enquanto se tenta descobrir o que está acontecendo.

Losartan é a droga que foi testada primeiro em ratos e se mostrou também eficiente em estudo feito com algumas crianças que têm o problema



LENTO E FRUSTRANTE

 

As descobertas de Dietz e o ensaio clínico que ele elaborou dividiram em antes e depois – terror e esperança – o mundo dos pais que souberam recentemente que seu filho tem a síndrome de Marfan. Daniel Speck, de Knoxville, Maryland, recebeu o diagnóstico de Marfan há seis anos, quando tinha oito anos, após seu médico notar uma curvatura na coluna vertebral e sugerir um teste de escoliose. O exame revelou que a curvatura era causada pela síndrome.

Naquele momento, Dietz e sua equipe já tinham finalmente encontrado a mutação genética que causa o problema. O processo foi lento e frustrante: as máquinas de sequenciamento hoje usadas para mapear rapidamente o DNA não tinham sido inventadas. Os pesquisadores tiveram de verificar gene por gene de grandes regiões do DNA compartilhado por famílias em que um dos membros era vítima da síndrome.

Mas quando a mutação foi encontrada, em 1990, os pesquisadores se viram em um beco sem saída. Era na fibrilina-1, uma proteína do tecido conjuntivo, o que sugere que o tecido não se desenvolvia plenamente porque a replicação molecular não funcionava. E se isso era verdade, disse Dietz, “nada poderia ser feito para alterar o curso da doença”.

Foram “dias tristes na pesquisa sobre a síndrome de Marfan”, afirmou Dietz. Todavia, ele logo começou a questionar a hipótese da replicação molecular. Ela não explicava algumas das características mais notáveis da síndrome de Marfan: os ossos notavelmente longos dos braços das crianças, as pernas e dedos, os olhos profundamente fixos, voltados para baixo, as maçãs do rosto planas, os queixos pequenos, a massa muscular muito baixa e a pequena quantidade de gordura corporal.

Cerca de 10 anos atrás, Dietz e seus colegas descobriram a explicação em outra proteína, a TGF-beta, ou fator transformador de crescimento beta, que diz às células como devem se comportar quanto ao desenvolvimento e é utilizada na reparação de ferimentos.

A função da proteína depende da fibrilina-1, a própria proteína que é alterada na síndrome de Marfan. Normalmente, ela liga a TGF-beta ao tecido conjuntivo. Em um paciente com o problema, conforme os pesquisadores vieram a descobrir, a fibrilina-1 é defeituosa, e o processo não se dá adequadamente. Em vez de se anexar ao tecido conjuntivo, a TGF-beta se afasta dele. Vagando livremente na corrente sanguínea, ela faz as células se comportarem de forma anormal, levando a muitos dos problemas causados pela síndrome de Marfan, incluindo a dilatação excessiva da aorta. Em suma, o modelo baseado na replicação estava totalmente errado.

– Perceber aquilo foi um dos poucos momentos de revelação que tive na vida – lembrou Dietz.

Ele testou a teoria em ratos, dando a eles o gene de fibrilina-1 modificado. Os níveis da proteína TGF eram definitivamente muito elevados. Os ratos apresentaram sintomas da síndrome, incluindo enfisema, músculos esqueléticos fracos e espessamento da válvula mitral no coração.

Ao procurar uma forma de bloquear a função da proteína TGF-beta, ele encontrou uma droga utilizada contra a hipertensão arterial, o losartan, que faz exatamente isso.

Nos ratos, a droga inibiu características da síndrome, incluindo a dilatação da aorta. Em vez de morrerem de aneurisma na aorta aos três meses de idade, os ratos viveram uma vida normal, de dois anos de duração.

Em 2006, o Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue iniciou um estudo randomizado baseado no trabalho de Dietz, em que algumas crianças com a síndrome receberam o medicamento e, outras, o tratamento padrão, com um bloqueador beta que diminui a frequência cardíaca.

"QUANTO MAIS TEMPO DEMORAR O DIAGNÓSTICO, MAIOR A CHANCE DA AORTA SE ROMPER ENQUANTO SE TENTA DESCOBRIR O QUE ESTÁ ACONTECENDO"


UMA SOLUÇÃO?

 

Em uma manhã de 2006, Kari Dostalik de Urbandale, Iowa, cuja filha, Haley, tem a síndrome, foi a uma palestra de Dietz na conferência anual sobre a síndrome de Marfan. Ele mostrou um slide de um menino que tinha uma forma grave da doença e que havia tomado losartan fora do ensaio clínico. Dostalik havia encontrado a criança com a sua família em uma conferência anterior.

Antes do tratamento, o menino parecia fraco e cansado. Depois de ter tomado a droga, contou ela, “ele sorria de orelha a orelha”.

As boas notícias não paravam por aí: Dietz disse ao grupo que assim que o menino e outras crianças tomaram a droga, a dilatação excessiva da aorta cessou. E o losartan mostrou reverter alguns dos efeitos da doença.

– Quando ouvimos a palavra “reverter”, nossa reação imediata foi pensar em quando poderíamos inscrever Haley no ensaio clínico – contou Dostalik.

O estudo estava apenas começando, e as crianças ficariam nele por três anos. Nem as famílias nem os médicos saberiam qual droga elas estavam tomando – o losartan ou o beta-bloqueador.

Os pais de Daniel Speck o levaram para participar da pesquisa. Eles suspeitam de que ele recebeu o losartan. A mãe do menino disse que o tratamento trouxe “mudanças maravilhosas ”. A aorta de Daniel estava “se dilatando astronomicamente”, disse ela, e essa dilatação desacelerou tanto que hoje ele não conseguiria se qualificar para participar do estudo se tentasse.

Quando a participação do menino no ensaio terminou, a família Speck foi informada de que ele poderia tomar losartan ou o medicamento mais antigo. Eles não queriam se arriscar, então escolheram ambas. Daniel, agora com 15 anos, continua bem.

– É realmente incrível – comentou sua mãe, Amy Speck.

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