Cannabis medicinal: Uma médica limitada na prescrição e uma doente obrigada a procurar alternativas...

19 de Novembro de 2020

Sou médica de Medicina Geral e Familiar, mas também doente de esclerose múltipla e epilepsia refractária, e recorro a produtos feitos a partir da planta da cannabis para melhorar alguns dos meus sintomas.



"É preocupante ser obrigada a recorrer a um mercado paralelo para ter acesso a um princípio activo que está indicado em directrizes internacionais" 


Em Portugal, a lei que permite a prescrição médica e acesso a terapêuticas à base de cannabis para fins medicinais está quase a fazer dois anos. Porém, após estes dois anos, apenas um medicamento está aprovado e à venda na farmácia, com apenas uma indicação: tratamento da espasticidade associada à esclerose múltipla.


Na prática, isto significa que nenhuma empresa da indústria farmacêutica obteve, até à data, autorização de comercialização por parte do Infarmed, facto que me impossibilita, como médica, de prescrever e como doente, de aceder à terapêutica.


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Sou médica de Medicina Geral e Familiar, mas também doente de esclerose múltipla e epilepsia refractária, e recorro a produtos feitos a partir da planta da cannabis para melhorar alguns dos meus sintomas. No entanto, face à ausência de produtos autorizados pelo Infarmed, os métodos a que recorro para aceder aos produtos não me deixam confortável, nem como médica, nem como doente. Estou sem acesso a prescrição medicamente controlada, e consequentemente, sem acompanhamento clínico no tratamento, sendo forçada a recorrer a um mercado desregulado ou a websites internacionais, onde adquiro produtos sem controlo de qualidade e segurança.




A cannabis para fins medicinais foi-me recomendada por um neurologista, após ter testado inúmeras outras terapêuticas, sem ter tido melhoria significativa dos sintomas. Os benefícios foram e são evidentes. Continuo a sentir formigueiros em ambos os braços e mãos, mas a forma como lido com estes sintomas melhorou substancialmente. Hoje, têm um impacto muito menos significativo na minha vida.


Passei a ter maior controlo ao nível da urgência e incontinência urinárias, com idas menos frequentes à casa de banho. Com o início da administração de produtos à base de cannabis medicinal consegui reduzir substancialmente a duração das convulsões, suspendendo em segundos as crises epilépticas.


Posso dizer que recorrendo aos óleos e flores de cannabis medicinal, consegui o controlo de diferentes sintomas e voltei a ter alguma qualidade de vida. No entanto, debato-me regularmente com vários problemas para estabilizar os meus sintomas e patologias. Por um lado, os produtos não estão sempre disponíveis, as doses variam constantemente, e os preços altos que são praticados no mercado desregulado, obviamente não comparticipado, não me permitem manter um tratamento diário estável.


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Como disse anteriormente, existe um medicamento em Portugal. Porém, não apresenta as características mais adequadas para o controlo de todos os meus sintomas e patologias, razão pela qual me foram recomendados produtos com diferentes concentrações de ambos os canabinóides principais – delta9-tetrahidrocanabinol (THC) e CBD.



Na situação actual, nenhum médico pode prescrever esses compostos isoladamente e nas concentrações que me foram aconselhadas pelo neurologista. Para os adquirir fui obrigada a pesquisar lojas e websites que vendem produtos à base de CBD, sem quaisquer garantias de segurança e qualidade. Quanto ao THC, essas lojas e websites não podem vender produtos com este canabinóide, pelo que a única hipótese é recorrer a associações e intuições dentro da União Europeia, que fornecem esses extractos através de canais alternativos.


É preocupante ser obrigada a recorrer a um mercado paralelo para ter acesso a um princípio activo que está indicado em directrizes internacionais, já tendo demonstrado cientificamente o seu benefício no tratamento da dor crónica, por exemplo.


Por outro lado, enquanto médica, sou confrontada por doentes que se automedicam com produtos que adquirem nestes mercados paralelos. Alguns têm a sensatez de alertar o médico para o que estão a fazer, mas outros escondem-no, por medo de juízos de valor, o que pode constituir riscos para a sua saúde e segurança.

FONTE:https://www.publico.pt/2020/11/19/impar/opiniao/cannabis-medicinal-medica-limitada-prescricao-doente-obrigada-procurar-alternativas-1939562

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