SÃO PAULO - A realização de reparos eficientes em lesões  do sistema nervoso é um desafio para a medicina. Compreender o  rearranjo dos circuitos neurais provocado por essas lesões pode ser um  passo fundamental para otimizar a sobrevivência e a capacidade  regenerativa de neurônios motores e restabelecer os movimentos de  pacientes. 
A partir de investigações sobre esses mecanismos de rearranjo dos  circuitos nervosos, um grupo da Universidade Estadual de Campinas  (Unicamp) está desenvolvendo um modelo inovador que associa terapia  celular ao reimplante das raízes nervosas. 
Para restabelecer a conexão entre o sistema nervoso periférico e o  central, os pesquisadores utilizam células-tronco mononucleares de  medula óssea e uma “cola” desenvolvida a partir do veneno de serpentes. 
O projeto é coordenado por Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira,  professor do Departamento de Anatomia, Biologia Celular e Fisiologia e  Biofísica, e conta com apoio da Fapesp por meio da modalidade Auxílio à  Pesquisa - Regular. 
Oliveira, que coordena o Laboratório de Regeneração Nervosa da  Unicamp, apresentou na última segunda-feira, durante o 15º Congresso da  Sociedade Brasileira de Biologia Celular, em São Paulo, modelos  utilizados por sua equipe para investigar os mecanismos de regeneração  do sistema nervoso central e periférico. 
Este ano, o grupo já publicou artigos sobre o tema nas revistas científicas Neuropathology and Applied Neurobiology, Journal of Comparative Neurology e Journal of Neuroinflammation.  
“Após uma lesão no sistema nervoso - periférico ou central -, ocorre  um rearranjo considerável dos circuitos neurais e das sinapses.  Entender esse rearranjo é importante para determinar a sobrevivência  neural e a capacidade regenerativa posterior”, disse Oliveira à Agência  Fapesp. 
Para estudar os mecanismos de regeneração, os cientistas utilizam  técnicas que unem microscopia eletrônica de transmissão,  imuno-histoquímica, hibridação in situ e cultura de células gliais e de  neurônios medulares. 
“Procuramos associar a terapia celular ao reimplante das raízes  nervosas. Para isso, temos usado células-tronco mesenquimais e  mononucleares no local da lesão ou nas raízes reimplantadas. A ideia não  é repor neurônios, mas estimular troficamente essas células e evitar a  perda neural, de modo a conseguir otimizar o processo regenerativo”,  explicou Oliveira.  
O projeto mais recente do grupo envolve o uso de um selante de  fibrina - uma proteína envolvida com a coagulação sanguínea -, produzido  a partir de uma fração do veneno de jararaca pelo Centro de Estudos de  Venenos e Animais Peçonhentos da Universidade Estadual Paulista (Unesp)  em Botucatu.  
“Os axônios dos neurônios motores saem da medula espinhal e entram  na raiz nervosa, dirigindo-se aos nervos. O nosso modelo emprega essa  ‘cola’ biorreabsorvível para reimplantar as raízes nervosas na  superfície da medula, onde o sistema nervoso periférico se conecta ao  sistema nervoso central. Associamos essa adesão às células-tronco, que  produzem fatores neurotróficos - isto é, moléculas proteicas capazes de  induzir o crescimento e a migração de expansões das células neurais”,  afirmou Oliveira.  
Quando as raízes motoras são arrancadas, cerca de 80% dos neurônios  motores morrem duas semanas após a lesão. Mas os motoneurônios que  sobrevivem têm potencial regenerativo após o reimplante de raízes  nervosas. 
“Porém, na maioria das vezes, o reimplante das raízes não é  suficiente para se obter um retorno da função motora, porque a lesão  causa uma perda neuronal grande demais. Por isso, é preciso desenvolver  estratégias para diminuir a morte neuronal após a lesão. Achamos que o  uso do selante de fibrina pode auxiliar nesse processo”, indicou.  
Segundo Oliveira, quando há uma lesão periférica - comum em  acidentes de trabalho, por exemplo -, com transecção ou esmagamento de  nervos, ocorre uma resposta retrógrada, ou seja, uma reorganização  sináptica visível na medula espinhal, onde se encontram os neurônios. 
“O interessante é que, quando a lesão é periférica, o neurônico  sinaliza de alguma forma para a glia - o conjunto de células do sistema  nervoso central que dão suporte aos neurônios -, que se torna reativa.  Essa reatividade está envolvida no rearranjo sináptico por meio de  mecanismos ainda pouco conhecidos. Nosso objetivo é compreender e  otimizar esse processo de rearranjo sináptico para, futuramente, criar  estratégias capazes de melhorar a qualidade da regeneração neuronal”,  afirmou.  
Rearranjo sináptico 
No laboratório da Unicamp, os cientistas induzem em ratos e  camundongos doenças como a encefalomielite autoimune experimental - um  modelo para estudar a esclerose múltipla. Após a indução de uma forma  aguda da doença, os animais apresentam todos os sinais clínicos,  tornando-se tetraplégicos de 15 a 17 dias após a indução. 
“Por outro lado, eles se recuperam da tetraplegia muito  rapidamente, entre 72 e 96 horas. O rearranjo sináptico induzido pela  inflamação é tão grande que paralisa completamente a funcionalidade  tanto sensitiva como motora, mas de forma transitória”, disse Oliveira.   
No entanto, a Esclerose Múltipla destrói a bainha de mielina, uma  substância que isola as terminações dos nervos e garante o funcionamento  dos axônios. Segundo Oliveira, porém, essa bainha se recupera em surtos  temporários: em alguns momentos há desmielinização; em outros, a  resposta imune fica menos ativa, permitindo que a bainha de mielina se  recomponha.  
“O paradoxal é que, mesmo que a remielinização não tenha se  completado, o animal volta a andar normalmente. Nossa hipótese é que o  processo autoimune causa lesões cuja repercussão no sistema nervoso  central é similar àquela que ocorre após uma injúria axonal.  Transitoriamente, os neurônios param de funcionar. Quando a inflamação  cede, as sinapses retornam muito rapidamente. No modelo animal, em  algumas horas a função é retomada e os sinais clínicos vão  desaparecendo”, disse.  
Além do modelo da esclerose múltipla, os cientistas trabalham também  com um modelo de lesão periférica dos nervos e na superfície da medula  espinhal.  
“Quanto mais perto da medula ocorre a lesão, mais grave é em termos  de morte neuronal. Todas são graves, mas aquela que ocorre perto da  medula causa perda neuronal, e aí não há perspectiva de recuperação.  Mesmo com as vias íntegras, o neurônio que conecta o sistema central com  o músculo morre e nunca mais haverá recuperação”, explicou o professor  da Unicamp. 
“Tanto no animal como no homem, ocorre uma perda grande de  neurônios, mas, da pequena porcentagem que resta, apenas cerca de 5%  consegue se regenerar. No homem, entretanto, há uma demora de mais de  dois anos para que se recupere alguma mobilidade. No rato, a mobilidade é  recuperada em três ou quatro meses”, afirmou Oliveira.  
“Uma vez que isso foi descoberto, começou-se a tentar reimplantar as  raízes, desenvolvendo estratégias cirúrgicas e tratamentos com drogas  que evitem a morte neuronal nesse período em que há desconexão. Essa  parece ser a saída mais promissora para evitar a perda neuronal e  otimizar a regeneração”, destacou o pesquisador.