DISTÚRBIO BIPOLAR MONTANHA-RUSSA DE EMOÇÕES

15 de outubro de 2011


Transtorno bipolar exige persistência no tratamento.

 

Imagine que você está num carrinho de uma montanha-russa, num parque de diversões, pronto para zarpar até o ponto mais alto. No trajeto, você começa a sentir um bem-estar muito grande: fica inquieto, fala e pensa muito rapidamente. Próximo do topo, tem ideias, sente vontade de viver, ser feliz, comprar, amar e, principalmente, poder fazer o que quiser, quando quiser. Ninguém pode impedi-lo. Até que começa a descida, aquela que vem antes do looping. A medida que o carro desce, toda aquela sensação de euforia, de querer e poder, começa a se esvair. O que vem é um sentimento de tristeza profunda. Vem a melancolia, a depressão, sensação de cansaço constante, baixa autoestima, falta de apetite, falta de amor próprio, podendo chegar à perda da vontade de sair à rua. Até a ideia de tirar a própria vida se torna atraente.

A metáfora de uma viagem de montanha-russa, com seus extremos, ajuda a explicar como funciona uma mente bipolar: em extremos, com mudanças bruscas de humor. Ao contrário do que muita gente pensa, tanto os estados de hipomania e mania, caracterizados pela “subida”, e a depressão, pela “descida”, são bem diferentes das alterações de humor diárias, comuns no nosso dia a dia.

As doenças entram e saem de moda, mas as descrições iniciais da doença bipolar já foram feitas pelo discípulo de Hipócrates, Araeteus da Capadocia, no ano 100 D.C. Nos anos 1900, o psiquiatra alemão Emil Kraepelin qualificou a doença como psicose maníaco-depressiva. Só mais recentemente, esta doença foi descrita como transtorno bipolar. As pesquisas atuais apontam para uma doença grave, muitas vezes progressiva – explica o psiquiatra Flávio Kapczinski, coordenador do programa do transtorno bipolar do Laboratório de Psiquiatria Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), lembrando que na medida em que o problema não é tratado, e ocorrem os episódios, pode haver um agravamento da doença e de dificuldades na concentração e memória.

O paciente, nessas condições, está longe de ser aquele amigo “de lua”, pelo qual você passa na rua e ele não cumprimenta. E muito menos um sujeito mal humorado, que está sempre irritado. A doença bipolar, que pode começar na infância mas que se manifesta com mais força por volta dos 20 anos, tem como comportamento clássico a alteração da forma de ser. Uma das principais características é a mudança brusca de humor: da euforia à depressão, da alegria à tristeza. Quem convive com esse tipo de pessoa costuma ficar extremamente confuso.

Entretanto, o diagnóstico do transtorno bipolar demora, em média, 10 anos para ser feito, o que pode causar muito sofrimento e gerar tratamentos ineficazes. Uma das complicações da doença pode ser o suicídio: daí a grande preocupação com a prevenção dos episódios depressivos. De maneira geral, o problema afeta cerca de 1% da população mundial em sua forma mais grave e 4% em sua forma mais atenuada.

Insistência é a chave

De acordo com o psiquiatra Angela Paludo, a adesão do paciente às recomendações médicas é um fator decisivo na melhora dos sintomas, assim como a insistência no tratamento correto.

Estudos recentes mostram que aproximadamente 50% dos pacientes abandonam o tratamento pelo menos uma vez por não se considerarem doentes e por sentirem falta dos momentos de euforia – revela Angela.

A associação da medicação com a psicoterapia torna o tratamento bastante eficaz, pois permite um melhor entendimento da doença, conforme afirma Angela. De uns tempos para cá, a preocupação em não diagnosticar pacientes como se fossem, unicamente, depressivos, tem aumentado, que significa um grande avanço. Segundo Kapczinski, a medicação utilizada para depressivos é bem diferente daquela usada na bipolaridade.

Descobriu-se que os antidepressivos podem piorar a doença, produzindo aquilo que nós chamamos de “virada”, deixando a pessoa mais agitada, acelerada, fazendo coisas extravagantes, mudando seu jeito de ser. O tratamento correto deve ter como base estabilizadores de humor – afirma o médico, lembrando que o uso de medicações só deve ser realizado em casos confirmados e com acompanhamento médico.

Principais características

> O transtorno bipolar é um problema psiquiátrico que se caracteriza por grandes oscilações de humor. As variações costumam ocorrer entre dois polos: a mania (período de humor persistentemente elevado, expansivo ou irritável), e a depressão (período de humor predominantemente deprimido).

> Tenha em mente que o transtorno bipolar é uma enfermidade real, tanto quanto diabetes ou asma. Não é uma falha de caráter ou uma fraqueza, e não é causada por nada que você ou sua família fez.

> Por ser confundido como um paciente depressivo, a pessoa que apresenta o transtorno leva cerca de 10 anos para receber o diagnóstico correto e, muitas vezes, recebe tratamento errado, à base de calmantes e antidepressivos. Isso pode piorar muito o estado de um doente bipolar.

> O risco relativo é maior quando existem familiares com o diagnóstico. Porém, se confirmado o diagnóstico, como várias outras doenças crônicas, a exemplo da hipertensão arterial e do diabetes, o transtorno bipolar tem tratamento e é possível controlá-lo.

> Buscar controle é importante, pois assim evita-se danos da evolução da doença, como prejuízo cognitivo progressivo até a piora da gravidade do quadro.

> O tratamento correto, à base de estabilizadores do humor e terapia, garante que a pessoa tenha uma vida normal. Os remédios trazem de volta o equilíbrio químico no cérebro, mas, para reorganizar a vida conturbada pelo transtorno, é fundamental a psicoterapia.

> O mais antigo e eficaz medicamento é o lítio. Outras substâncias, como o ácido valproico, a carbamazepina e a oxcarbazepina, também são receitadas.

Ajuda necessária

> Quando o portador põe em risco sua vida ou a de outra pessoa, pode se fazer necessária a internação.
>As prioridades no tratamento da bipolaridade devem ser o diagnóstico precoce e a prevenção das crises. Pacientes com maior número de crises podem sofrer prejuízos nas suas funções cognitivas e alterações na estrutura cerebral, particularmente nas áreas frontais.
> Segundo pesquisas do grupo do Hospital de Clínicas, cada crise da doença bipolar é tóxica para o sistema nervoso. Isto pode estar relacionado a uma cascata de eventos, onde há uma redução de substâncias que protegem o cérebro, como o fator neutrotrófico derivado do cérebro e o aumento das agressões ao sistema nervoso, como o estresse oxidativo e as inflamações. 

Impacto na saúde e nos relacionamentos

A doença começou a se manifestar na vida de uma auxiliar administrativa de 51 anos (que não quis se identificar) ainda na adolescência. O primeiro sintoma foi a Síndrome do Pânico, que chegava sempre à noite, impedindo-a de dormir. A mãe, com medo que achassem que a filha era louca, preservou-a do tratamento psiquiátrico, medicando-a, ela mesma, com calmantes.

O casamento, aos 24 anos, durou um ano e meio. E a auxiliar logo voltou para perto da mãe, onde se sentia mais segura. Aos 31 anos, a perda da mãe desencadeou a primeira forte crise de depressão.

Eu não tinha amigos e não saía de casa. Quando vi, estava no fundo do poço. Parei até de tomar banho – conta.

Ao mesmo tempo que se afundava em tristeza, a auxiliar tinha momentos de extrema euforia, estados que chegam a se alternar num único dia, como fazer compras compulsivamente.

Em um episódio que a marcou muito, a filha, com oito anos, começou a reclamar da falta de cuidados com ela.

Ela reclamou que estava cansada de comer macarrão instantâneo todo santo dia. Só aí que me dei conta o que estava fazendo. Estava perdendo a capacidade de amar – relata.

Sem tratamento na época, ela piorou mais e mais. As idas e vindas a médicos, com a ajuda do irmão, não faziam muito sentido. Quando melhorava, parava a medicação e voltava a piorar. Pensou em acabar com tudo, chegou a preparar um coquetel de cápsulas.

O tratamento definitivo veio recentemente, com ajuda do atual marido.

Conheci uma pessoa maravilhosa que me levou pela mão, graças a Deus. E agora estou bem – conta ela.




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