GOVERNO AMERICANO LANÇA PLANO DE PESQUISA DO CÉREBRO

Brain   06/04/2013


Iniciativa poderá ajudar os médicos a entender doenças neurodegenerativas e estresse pós-traumático, e contribuir para o tratamento e a prevenção.

 

A cura de doenças como Alzheimer, Parkinson e epilepsia pode estar a caminho. Isso porque foi anunciado, esta semana, um investimento de US$ 110 milhões do governo americano para incentivar avanços em neurociências. Mas o processo deve demorar, pelo menos, uma década. 


A iniciativa, batizada de Brain (cérebro, em inglês, e acrônimo de Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologie), foi lançada pelo presidente Barack Obama com o objetivo de produzir imagens dinâmicas do cérebro que mostrem como funcionam os neurônios individualmente e os circuitos neurais. Isso poderá ajudar os médicos a entender doenças neurodegenerativas e estresse pós-traumático, e contribuir para o tratamento e a prevenção. 

É possível que desse estudo surjam novas tecnologias e exames mais sofisticados para estudar o cérebro em vida. Atualmente, o que sabe vem de estudos de neuroimagem funcional, técnicas de ressonância magnética ou medicina nuclear. O que a ciência pode avançar, segundo o neurologista André Felicio, membro da Academia Brasileira de Neurologia, são as formas de tratamento: 

O problema é que hoje podemos diagnosticar várias doenças, mas não somos capazes de tratá-las. 

O fato é que ainda há muito o que descobrir sobre o cérebro. Um dos desafios, por exemplo, será mostrar como as diversas regiões cerebrais se interconectam e geram as funções cognitivas. De acordo com o neurologista André Luis Fernandes Palmini, as pessoas chegam aos 80 ou 90 anos porque têm um coração saudável, mas a cabeça não está boa.

A neurociência está na moda porque as pessoas estão vivendo mais, e querem viver melhor. 

Autoridade no assunto, Ivan Izquierdo, do Instituto do Cérebro da PUCRS, diz que é cedo para avaliar os impactos do anúncio de Obama. Mas alerta que mapear 80 bilhões de neurônios pode ser uma tarefa muito difícil ou impossível. 


Desafios e avanços 


Investimentos

Entre os principais entraves para o avanço das neurociências no Brasil está a falta de financiamentos. Diferentemente dos Estados Unidos, onde é abundante o investimento privado em pesquisas, no Brasil os estudos dependem basicamente de verba pública. E esse investimento é aquém do necessário, diz o neurologista André Felicio. 

Isso ocorre, muitas vezes, porque há dúvidas que o dinheiro será alocado para o propósito destinado. No Exterior, a prestação de contas é feita de forma sistemática e muito transparente. Há, também, alto reconhecimento para quem apoia a ciência. 

Um exemplo dessa valorização é que o centro de pesquisa de uma universidade pode levar o nome do doador da verba. O neurocientista da PUCRS Ivan Izquierdo sugere uma isenção de impostos para empresas que investem na área. Segundo ele, a ciência costuma dar saltos importantes quando o Estado interfere. 


Impacto Socioeconômico


A população está envelhecendo e grande parte das doenças neurodegenerativas é relacionada à idade. Estima-se que 1 bilhão de pessoas tenha algum problema neurológico. O impacto socioeconômico é catastrófico, diz o neurologista André Felicio, da Academia Brasileira de Neurologia. E o custo para resolver o problema é alto. Os US$ 110 milhões anunciados por Obama não seriam muito. O burburinho, diz ele, reflete a carência de investimentos no setor. 


Pacientes Ativos


Muitos pacientes com doenças neurodegenerativas como Alzheimer ou Parkinson mantêm suas atividades profissionais e desempenham funções de alta responsabilidade, como médicos, músicos ou políticos. Um desafio, segundo Ivan Izquierdo, é analisar o que mantém esses pacientes ativos.
Surpresa

Entre os estudos recentes, Izquierdo destaca publicação da Revista da Academia Americana de Ciências sobre as sinapses de camundongos velhos com hiperatividade. A pesquisa mostra que há um exagero de atividade nos neurônios velhos, enquanto a percepção que se tinha até hoje era de que os neurônios se tornassem ineficientes. Isso pode mudar os parâmetros que norteavam os neurocientistas e deve influenciar na forma como se trata doenças neurodegenerativas. 


Mitos


Izquierdo alerta que alimentação e estilo de vida não interferem na demência. Não há comprovadamente nada que se possa fazer para evitá-la, já que a doença não responde a mudanças na dieta ou a exercícios. 

De 20 a 25% das pessoas com 65 anos ou mais têm algum sintoma. A doença cresce entre os 65 e os 90. Depois não cresce mais. Quem viveu bem até lá, certamente irá bem até o final da vida — diz Izquierdo.


Redes sociais e tecnologia


Que o uso de tecnologias digitais na comunicação impactam a capacidade cognitiva, não há dúvida. Mas se os efeitos são positivos ou negativos, há divergência entre os pesquisadores. Neurocientista da Universidade de Oxford (Inglaterra), Susan Greenfield revelou estreita relação entre os efeitos das redes sociais e a química cerebral, e alertou: a exposição exagerada pode infantilizar o cérebro. Navegar em excesso, segundo ela, pode fazer o cérebro regredir:

A exposição repetida a flashes de imagens em programas de TV, videogame ou redes sociais pode torná-lo similar ao de uma criança, que se atrai por manifestações sonoras e luminosas. 

Christian Kieling, professor da pós-graduação em Psiquiatria da UFRGS, concorda que as redes digitais impactam o cérebro humano. Como mensurar esse efeito, porém, é um desafio a ser superado. Segundo ele, os estudos são preliminares, e não está claro o impacto das redes sociais. Para Ivan Izquierdo, da PUCRS, a tecnologia mais ajuda do que atrapalha:

Tratamentos de depressão e ansiedade foram possíveis a partir da tecnologia, dos remédios introduzidos na década 50.


Hormônios e memória


Os problemas de memória que mulheres costumam experimentar entre os 40 e os 50 anos, ao se aproximarem da menopausa, não são mitos, e podem ser ainda mais intensos no primeiro ano após o fim dos períodos menstruais. A conclusão do Centro Médico da Universidade de Rochester, nos EUA, anunciada recentemente, confirma o prejuízo em habilidades cognitivas em algumas pacientes.
O neurologista André Luis Fernandes Palmini explica que o problema, que atinge também idosos, ocorre porque o estrogênio, o hormônio que regula a menstruação, é importante para várias atividades cerebrais. 

Outra questão curiosa alertada por Palmini é que, quando a pessoa está estressada. ansiosa ou deprimida, aumenta a produção do hormônio cortisol, fato que interfere na formação das memórias e na busca por lembranças já formadas.


Efeito das drogas


Uma das tendências da neurociência atual é a busca de novos medicamentos para tratar a depressão e a dependência química. Estudiosa da assunto, a farmacêutica Alice Fialho Viana, da Alle Farmacologia Pré Clínica, diz que é preciso entender bem como funciona o cérebro para, então, poder corrigir seus problemas. Por isso, ela entende que o projeto norte-americano contribuirá para mostrar como as fibras dos neurônios se comunicam e realizam a transmissão dos impulsos nervosos. 

Em caso de dependência química, explica Alice, ocorre uma alteração da arquitetura cerebral, efeito semelhante ao dos remédios antidepressivos. Outra informação importante é a diminuição do hipocampo, local onde são formadas as memórias, em pacientes com depressão. Por isso, discute-se se a dependência química é a doença propriamente ou um efeito da doença. 

Há pessoas com déficit de atenção que usam cocaína para se concentrar. O efeito é semelhante ao da ritalina — diz Alice.

Drogas como a nicotina e o álcool atuam na ativação do "núcleo accumbens", que seria o centro de prazer, causando também uma modificação do sistema de recompensas. A sensação de prazer só retorna quando o uso se torna contínuo. 

Há cerca de um mês, o assunto foi tema de debate na Semana do Cérebro da UFRGS. Segundo a organizadora Renata Rosat, a principal novidade é levar o conhecimento sobre o cérebro para as escolas e trabalhar com crianças e adolescentes. 

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