QUANDO O ESPORTE É FATAL

21 de abril de 2012


Morosini caiu em campo aos 31 minutos do primeiro tempo, e a causa de sua morte ainda está sendo investigada.
Morte de atleta italiano reacende polêmica sobre quão seguros estão os esportistas.

Ao cair desacordado no gramado durante uma partida da segunda divisão do campeonato italiano de futebol no sábado passado, o jogador Piermario Morosini, 25 anos, centrou as luzes do noticiário esportivo mundial novamente em um tema de grande repercussão: a incidência de morte súbita entre jovens atletas de alto rendimento.

Ainda que casos como os do meio-campista do Livorno gerem comoção e suscitem dúvidas sobre o quão seguros estão os esportistas, especialistas asseguram que por trás desse tipo de óbito estão, frequentemente, problemas não diagnosticados na estrutura ou no sistema elétrico do coração.

Pós-doutor em cardiologia do exercício e do esporte pela Universidade de Stanford e médico do esporte, Ricardo Stein explica que a morte súbita cardíaca é um evento inesperado, no qual a pessoa tem perda súbita de consciência, seguida de parada cardíaca. Stein pondera que tal evento não ocorre em atletas sem algum tipo de doença preexistente. O esporte não seria responsável direto, mas apenas uma espécie de gatilho em alguém já portador de cardiopatia.

Conforme o coordenador do Sport Checkup HCor (Hospital do Coração) de São Paulo, o cardiologista Nabil Ghorayeb, dados do Comitê Olímpico Internacional (COI) apontam que a morte súbita atinge anualmente 30 atletas com menos de 35 anos no mundo. Entre as principais causas estão problemas cardíacos congênitos ou genéticos (50%), infarto do miocárdio provocado por má alimentação ou colesterol elevado (10%) e problemas cardiológicos diversos (cerca de 35%). Apenas 5% das mortes são ocasionadas por problemas que não envolvem o coração, como aneurisma cerebral ou embolia pulmonar.

A morte de Morosini após uma parada cardíaca provocou impacto ainda maior por ser o terceiro drama desse tipo envolvendo um atleta jovem a ter destaque na mídia internacional em pouco mais de um mês. Em março, o jogador de futebol Fabrice Muamba, 23 anos, da equipe do Bolton, também sofreu uma parada cardíaca em campo, durante jogo do campeonato inglês. Devido ao atendimento médico imediato, o atleta conseguiu se salvar. Em outro incidente registrado no mês passado, o italiano Vigor Bovolenta, 37 anos, morreu após sofrer um mal súbito durante jogo da segunda divisão do campeonato italiano de vôlei.

Sintomas

Fique atento e procure um médico se você sentir algum dos sintomas abaixo enquanto estiver praticando exercícios (ou se tiver algum histórico de problemas cardíacos):

> Dor ou desconforto no peito

> Tontura ou desmaios

> Falta de ar

> Piora no rendimento

> Elevação na pressão arterial

> Palidez e suor frio

> Alterações na visão

 Fonte: Ricardo Stein, pós-doutor em cardiologia do exercício e do esporte pela universidade de Stanford



O valor do diagnóstico precoce

 

No comando de um levantamento que já avaliou as condições cardíacas de mais de 10 mil atletas na capital paulista, Nabil Ghorayeb ressalta que a miocardiopatia hipertrófica é a causa de um terço das mortes súbitas em atletas com menos de 35 anos. A moléstia pode ser identificada por meio de um simples eletrocardiograma de repouso, de um ecocardiograma ou da ressonância cardíaca.

Na miocardiopatia, há o crescimento anormal do septo intraventricular, uma parte do coração que fica entre os dois ventrículos, que pode potencializar arritmias ou a isquemia do músculo cardíaco.

Outra enfermidade – responsável por 10% a 12% das mortes súbitas – é a miocardite, causada por um vírus que pode provocar arritmias. Na raiz do problema, está o excesso de treinamento, que diminui a imunidade do esportista, abrindo as portas do organismo à ação do vírus.

Responsável por uma equipe que atende jogadores do Santos e do São Paulo e os atletas olímpicos brasileiros, Ghorayeb afirma que a recomendação no Brasil é de que atletas de esportes coletivos façam exames cardiológicos pelo menos uma vez por ano, enquanto os esportistas de alto rendimento, como triatletas, devem ser submetidos aos testes semestralmente. Em clubes de futebol como Grêmio e Inter, há exames cardíacos desde as categorias de base. Especialista em medicina do esporte e médico do Inter, o fisiologista Luiz Crescente explica que amadores e profissionais passam anualmente por um eletrocardiograma de repouso e por eletrocardiograma de esforço e ecocardiograma a cada dois anos.

– Estou há 17 anos no Inter. Os casos são raros, só que estão aparecendo mais – afirma Crescente.

Além da avaliação correta, o atendimento rápido após o mal súbito pode ser fundamental para aumentar as chances de sobrevivência. Como 95% das paradas cardíacas que levam à morte no esporte ocorrem por um efeito elétrico chamado fibrilação ventricular, o uso do desfibrilador tem papel fundamental na tentativa de reversão do quadro. E é ao atendimento imediato com desfibrilador que o jogador de futebol congolês Fabrice Muamba, da equipe do Bolton, deve a vida.

– Ele foi desfibrilado 16 vezes em uma hora e meia. Por isso que se salvou – define Ghorayeb.


Distribuição de causas cardiovasculares na morte súbita em atletas com 35 anos de
idade ou menos:


Cardiomiopatia hipertrófica 36%

Anomalias da artéria coronária 17%

Hipertrofia idiopática do ventrículo esquerdo 8%
Miocardite 6%

Displasia arritmogênica do ventrículo direito 4%

Prolapso da válvula mitral 4%

Ponte miocárdica 3%

Doença da artéria coronária 3%

Estenose aórtica 3%

Canulopatias iônicas 3%

Cardiomiopatia dilatada 2%

Ruptura aórtica 2%

Sarcoidose 1%

Outras doenças congênitas do coração 2%

Outras 3%

Coração normal 3%


Comoção na quadra

 

Presenciei a morte na quadra na noite de 1º de maio de 2009. Estava no Ginásio Poliesportivo, em Santa Cruz, a registrar as impressões da derrota da Assaf para a ACBF por 6 a 3, pelo Estadual de futsal. Ouvi o xodó da torcida da Assaf, o pivô Rabicó, ex-seleção brasileira. Mesmo aos 39 anos, com a balança acima dos três dígitos, ele entrou, marcou seu gol e saiu a oferecer o coração para o público. Teve o nome gritado em uníssono.

Fiz a entrevista e virei de costas, enquanto o goleador seguiu a falar no microfone da Rádio Santa Cruz.

– Rabicó, você recebeu a bola e marcou o seu. Esse é o Rabicó!

– É, com certeza, eu acho que....

Um estrondo silenciou o ginásio. Inclinei a cabeça para o lado e vi Rabicó deitado, tremendo. Sob olhares atônitos, o pivô tentou se levantar, ficou de quatro, mas voltou a tombar.

Uma ambulância veio e duas pessoas ergueram a maca com o corpo do jogador. Com o movimento, vi sua mão despencar, mole. Poucas horas depois, no Hospital Santa Cruz, os médicos confirmaram a morte de José Carvalho da Cunha Júnior, o Rabicó. Uma parada cardíaca tirou a vida do paraibano, artilheiro por Vasco, Atlético-MG e Barcelona.

Contei a história para Ricardo Munir Nahas, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. Nahas comentou que, pela idade, Rabicó estava exposto a problemas cardíacos, e que mantinha hábitos que aumentavam a propensão de infarto: fumava, bebia e brigava com a balança. Para o médico, envelhecer sendo um atleta de alto rendimento exige autoconhecimento. O corpo cobra tantos anos de esforço, em especial dos joelhos e tornozelos. O apetite segue voraz, acima da queima de calorias. E o psicológico fica abalado. É importante saber parar enquanto o corpo aguenta. Forçá-lo pode ter consequências trágicas, como naquele noite em Santa Cruz do Sul.

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