CUIDE BEM DA MEMÓRIA

21 de janeiro de 2012 | 


A capacidade cognitiva começa a declinar a partir dos 45 anos. Conheça formas de preservá-la.

Já imaginou passar a vida inteira lembrando daquela fatídica briga com o melhor amigo de infância? Ou da morte daquele adorado bichinho de estimação? E se, de uma hora para a outra, você perdesse a capacidade de armazenar os incontáveis nomes, datas e senhas que devem estar sempre na ponta da língua? A memória é uma autoridade do nosso corpo, e, como todos os outros órgãos, precisa estar saudável. E os especialistas recomendam que se proteja os neurônios da degeneração cada vez mais cedo.

De acordo com a neurocientista do Instituto do Cérebro e professora da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Mirna Portuguez, era comum pensar que o indivíduo deveria se preocupar com o funcionamento do cérebro a partir dos 60 anos, faixa etária em que as pessoas começam a se queixar de esquecimentos e costumam procuram profissionais da saúde da área neurológica.

Entretanto, uma pesquisa publicada em 2011 no British Medical Journal mostra que as capacidades cognitivas do homem começariam a declinar a partir dos 45 anos, muito antes das seis décadas de vida. Os resultados mostraram que o rendimento cognitivo, com exceção do vocabulário, diminui com a idade. Isto ocorre cada vez mais rapidamente na medida que as pessoas envelhecem. Segundo essa pesquisa, em 10 anos, o rendimento de raciocínio caiu 3,6% para os homens de 45 a 49 anos e 9,6% para os de 65 a 70 anos.

É importante começar cedo a procurar meios de evitar a queda normal do envelhecimento. É bem mais eficaz atuar desde o começo, em particular com medicamentos, atividades que estimulem, que deem prazer e tragam felicidade. Isso pode mudar a trajetória – alerta a neuropsicóloga.

Se quando envelhecemos o declínio das funções cerebrais é natural e inevitável, é importante não confundir envelhecimento normal com doença demencial. Conforme Mirna, os idosos “normais” frequentemente estão mais lentos, distraem-se com mais facilidade, repetem as mesmas coisas, vivem apegados ao passado, são teimosos, inflexíveis, esquecem palavras no meio da conversa e do nome de pessoas, têm mais dificuldades em lembrar o que fizeram recentemente e também ficam mais deprimidos.

Uma explicação para esse declínio é o desgaste fisiológico natural do cérebro, assim como de todo corpo. É possível minimizar esse declínio cognitivo. Para isso, temos que ter uma reserva cerebral, que pode ser armazenada com atividades intelectuais, interação social, atividades de lazer e resiliência, que é a capacidade do indivíduo de enfrentar as adversidades e conseguir superá-las – explica a especialista.

Essa reserva cerebral mencionada possibilita estimular o funcionamento cerebral, atenuando e retardando os prejuízos cognitivos e tornando, ainda, o cérebro mais resistente aos efeitos de doenças.

Uma das boas notícias é que em todas as etapas da vida, seja na fase adulta ou durante o envelhecimento, a plasticidade cerebral pode ocorrer. Ou seja: o nosso cérebro tem a capacidade de se remodelar.

A melhor coisa para se ter na cabeça é essa máquina chamada cérebro. Ela é construída para mudar e nos confere a habilidade de fazer coisas amanhã que não podemos fazer hoje e hoje o que não podíamos fazer ontem – afirma o neurocientista Michael Merzenich.


Expandindo o potencial.


O poder de modificar nosso cérebro parece ilimitado. Esta nova convicção surgiu a partir da descoberta das conexões sinápticas (áreas de contato funcional entre os neurônios), que, ao contrário do que se pensava, não são fixas, porém plásticas e modificáveis. Quem não tem indicação para ingerir psicofármacos, ou fazer psicoterapia, pode dar um bom upgrade na sua atividade neural lendo bastante, praticando exercícios físicos, alimentando-se adequadamente, mantendo o bom humor e a motivação em dia.

O neurologista Marino Bianchin lembra que quando há uma patologia em jogo, geralmente esta pode ser tratada com o uso de medicações, tal como o metilfenidato, a tão falada Ritalina. Este fármaco surgiu no fim da década de 1940, e, desde então, consagrou-se como um poderoso estimulante do sistema nervoso central, sendo um dos principais recursos no tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Como aumenta a capacidade de concentração, tira o sono e dá a sensação de ter mais energia, a Ritalina acaba atraindo quem quer aumentar a capacidade mental. Mas é importante que se diga que medicações do gênero não devem ser usadas para esse fim.

Expandir o potencial humano é um sonho antigo. Já a ideia de aumentar a capacidade do cérebro é um conceito mais recente, pois é igualmente recente o entendimento de que o cérebro é o substrato das nossas faculdades mentais. Considerando as demandas crescentes da nossa vida moderna, é bem fácil entender por que as pessoas desejam uma memória melhor, mais inteligência ou criatividade. E é extremamente conveniente se isso estiver disponível em uma pílula – argumenta o neurologista Marino Bianchin.

Pessoas saudáveis podem expandir o próprio cérebro sem medicação alguma – conclui o neurologista.


“O cérebro é como um músculo”.


O argentino Iván Izquierdo é um dos maiores pesquisadores mundiais na área de fisiologia da memória e seus artigos e livros já são parte imprescindível das bibliografias básicas dos trabalhos dedicados ao tema. Nesta entrevista, ele revela que apesar dos avanços na área, não há nada melhor para o cérebro do que devorar livros.

Zero Hora – Qual a grande descoberta sobre a memória nos últimos anos?

Iván Izquierdo –
São muitas, principalmente nos últimos 20 anos. Temos conhecido cada vez mais detalhes sobre o mecanismo molecular que leva à formação da memória. Isso também se chama consolidação, porque consolida a informação de diversas procedências da linguagem cerebral na memória, por meio de sinais elétricos e neuroquímicos. Se descobriu, portanto, que comunicação se utiliza, e o que ocorre depois, para a formação da memória e o curso de tempo que leva. Além disso, se estuda hoje que regiões do cérebro participam da extinção, ou seja, a inibição da resposta para que ela não seja usada a qualquer momento. Um exemplo é a memória de medo, que não precisa ser usada toda hora e que serve para ajudar pacientes vítimas de estresse pós-traumático.

ZH – Já é possível, então, apagarmos lembranças desagradáveis? Como é feita essa inibição hoje?

Izquierdo –
Não seria bom perdê-las, pois é preciso lembrar de um ocorrido para que o sujeito não repita a situação que a levou ao trauma. Mas os psicoterapeutas já utilizam esse recurso há 30 anos para tratar pacientes vítimas de estresse pós-traumático. Em síntese, é empregada uma técnica que faz com que a pessoa não “acione” a memória em determinados momentos. Ela age assim após ser exposta a estímulos e cenas e a situações que lhe produz medo (uma delas é a cognitivo-comportamental).

ZH – Muitas vezes ficamos nervosos quando queremos lembrar de algo e a coisa está na ponta da língua mas não sai. Quando o “branco” é um problema real?

Izquierdo –
O branco é devido à ansiedade, que causa liberação de hormônios suprarrenais chamados corticoides. Eles vão circular no sangue e acabam eventualmente no cérebro, inibindo a memória. Pode acontecer com qualquer um, não é patológico. Ou seja, tem que tratar a ansiedade. Entretanto, o “branco” pode representar um problema real, como a doença de Alzheimer, quando o sujeito passa a esquecer o nome do pai, o ofício que atua.

ZH – Mas se eu estou notando que a minha memória pode ser aperfeiçoada, o que é possível fazer?

Izquierdo –
Se é patologia, falta memória, existem drogas ótimas, como a Ritalina. Mas quem não tem a doença e quer ter um cérebro saudável, eu recomendo ler. Esse é o melhor exercício que alguém pode fazer com o cérebro. O uso constante da memória a estimula. É como um músculo: quanto mais se usa, melhor funciona. Mas não se deve fazer um uso abusivo da memória. Na hora de dormir, devemos descansar. Cada coisa tem seu momento.


Cultura com lucidez.


Aos 69 anos, a ginecologista Loreta de Moraes Napp devora livros por prazer – e também por afinidade, já que é casada com o escritor gaúcho Sérgio Napp.

Porém, há outro importante motivo por trás do hábito: ela sabe que o bom desempenho da sua memória depende disto.

– A minha preocupação começou cedo, ao observar que as mulheres que eu atendia se queixavam muito de lapsos de memória após a chegada da menopausa.

Hoje, Loreta recomenda leitura às pacientes como uma poderosa aliada para enfrentar as mudanças que a vida traz.

O que ajuda

> Concentre-se: livre-se das preocupações e preste atenção naquilo que você lê, vê ou ouve.

> Seja curioso: esteja sempre aberto a receber novas informações e saber o porquê das coisas.

> Planeje-se: além de dar sentido à vida, ter objetivos nos motiva a ficar atentos.

> Tenha vida social: ampliar a rede de relacionamentos é um ótimo exercício para o cérebro.

> Compartilhe: falar sobre o que se viveu treina a memória sobre esses fatos.

O que prejudica

Tensão Má alimentação Privação de sono Remédios sem indicação médica Ansiedade Mau funcionamento do organismo Sobrecarga.
 



Nenhum comentário: